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Cinco mitos em torno das praxes

De há muito que as «praxes académicas» são noticiadas e debatidas, pelas piores razões, sempre que algum episódio chama a atenção para o seu lado perverso. Mas nunca como agora se tornaram tão visíveis e foram associadas a um tão amplo sentimento público de rejeição. No entanto, ninguém que tenha uma ideia daquilo que de sombrio e ingovernável o seu universo tem vindo a incorporar terá ficado surpreendido pelo que os trágicos acontecimentos da praia do Meco trouxeram a público. Algumas semanas depois do primeiro momento de horror e de espanto, quando o respeito devido à dor das famílias das vítimas forçou alguma contenção, as evidências e os documentos começaram a ser conhecidos, percebendo-se que nada do que se passou foi puramente acidental. Começou então uma avalanche de testemunhos e de informações a propósito das praxes, ao ponto de ser já difícil dizer algo de original a seu respeito. Para pessoas como eu, que participaram na resistência às praxes a partir dos inícios da década de 1970, e que além disso têm pensado e escrito sobre o tema, ainda se torna mais difícil escrever qualquer coisa de novo, pois muito do agora revelado pelos média lhes é familiar. Vou por isso tentar não me repetir, limitando-me a aspetos menos abordados, que associo a cinco mitos projetados a propósito do assunto. (mais…)

    Atualidade, Democracia, Etc., Olhares, Opinião

    Faca e pomada na mão

    Ainda sobre as medidas governamentais em curso objetivamente destinadas a desmembrar o mais depressa possível a investigação científica e a fazer com que Portugal regrida trinta ou quarenta anos neste domínio. Independentemente das dificuldades de tesouraria que todos sabemos existirem – e que servem para justificar formalmente os cortes arbitrários –, parece evidente que tais medidas de imposição da barbárie só podem ter como responsáveis, em última instância, pessoas que nem uma licenciatura fizeram com um mínimo de qualidade, e para as quais, por isso, é totalmente inimaginável aquilo que se faz ou deixa de fazer nos centros de investigação e nos domínios mais avançados da produção de conhecimento. É o cenário distópico, até há pouco inimaginável para qualquer professor, de um país governado pelos que foram os seus piores alunos. Pode sempre dizer-se, em defesa das medidas que impõem, que na direção dos organismos mais especializadas de decisão neste domínio sem encontram, apesar disso, pessoas com competências académicas e que se suporia saberem o que estão a fazer. Isso é verdade, mas todos sabemos como é fácil encontrar umas quantas dispostas a aceitar qualquer trabalho. Mesmo aquele mais sujo.

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      O som do silêncio

      Numa crónica publicada em 2003, Manuel António Pina recordava aquela que era, para Walt Withman, a estreita relação entre o autor e quem o lê: «O leitor sabe que, quando é de noite, estamos ambos sós.» Depois de lembrar a afirmação do poeta nova-iorquino, Pina continuava com as próprias palavras: «Só nos livros são possíveis ainda a noite e a solidão, em tempos de holofotes por todos os lados. E quanto os homens precisam de solidão, de se escutar a si mesmos na numerosa voz dos livros! E, em tempos como estes, barulhentos e estridentes, de silêncio!» Pouco mais de uma década depois disto ter sido escrito, o ruído não cessou de aumentar e são cada vez menos os que compreendem a necessidade da leitura imersiva e solitária que nos faça pairar por instantes na cápsula do tempo. Permitindo, como no intervalo de uma competição desportiva ou de uma tarefa difícil, que ganhemos força para prosseguir a jornada. Para não perdermos o norte enquanto tudo em redor acelera. Para não nos deixarmos cegar frente ao excesso de luz. Para que a razão não soçobre perante a estridência, deixando à solta o pior de nós.

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        Coragem e convicção

        Este anúncio publicado em finais de 1913 no Times londrino pelo explorador irlandês Ernest Shackleton, quando este procurava homens para integrar a viagem aventurosa de exploração e travessia da Antárctida que comandou entre 1914 e 1916, é verdadeiramente extraordinário. Os termos do anúncio prometem o pior – «jornada arriscada, baixo salário, frio penetrante, longos meses de completa escuridão, perigo constante, duvidoso regresso em segurança» – mas termina com a previsão, «em caso de sucesso», da única e maior das recompensas: «honra e reconhecimento». Nem todos os voluntários integrariam a equipa de 56 homens que em dois navios deixaram as águas britânicas a 8 de Agosto de 1914 para uma viagem que teria momentos intensamente dramáticos. Quem no seu perfeito juízo, nestes tempos de «turismo de aventura» e de riscos muito calculados, estaria em condições de responder afirmativamente a um desafio destes e de pôr-se a caminho de todos os perigos?

        Frank Wild
        Frank Wild, um dos oficiais da expedição
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          O vento mudou e não voltarão

          De acordo com o Diário de Notícias desta sexta-feira, «o Governo estima que em 2012 tenham saído do país mais de 120 mil portugueses, um número apenas repetido nos anos 60». Mais ainda terão emigrado em 2013, mas as contas não se encontram fechadas. No entanto (ó surpresa!), as remessas de dinheiro enviadas para Portugal não estão a crescer na mesma proporção. Ora outra coisa não seria de esperar: apesar de mais qualificada, a grande maioria dos novos emigrantes é jovem, procura o primeiro emprego estável, e precisa investir o que começa a juntar na organização da sua própria vida. Se é que em contexto geral de crise consegue juntar alguma coisa que não precise gastar de imediato. Além disso, as novas condições de vida, idênticas, no essencial, na maior parte dos destinos da nova emigração, já não são as dos tempos de Linda de Suza e das «saudades da terrinha». E cidadão algum no seu perfeito juízo se sente propriamente com vontade de enviar dinheiro para o país deprimido e ingrato que o forçou a emigrar. Se quem nos empurrou para este cenário espera que a fuga de jovens quadros produza, como no passado, um fenómeno subsequente de torna-viagem, com um dinheirito a pingar regularmente numa conta a prazo da agência bancária local, mais a construção de uma casa com garagem ou a abertura de uma croissanteria ou de um aviário, bem pode esperar sentado. Ao procurar vender-nos essa ficção, reforça a evidência da sua má-fé e confirma a completa ausência de um desígnio para o país. Este ou um outro, melhor e futuro.

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            Um Natal pesado

            O Natal fez sempre parte dos meus calendários. Embora, como acontece com a maioria das famílias portuguesas, a minha não levasse as datas e as práticas do seu catolicismo muito a peito. Talvez por isso a dimensão de sagrado da quadra sempre me tenha sido em boa medida estranha. Nunca assisti a uma «Missa do Galo» e durante anos mantive a convicção que nela se degolava, de facto, um pobre e indefeso galináceo. O meu Natal era feito só de doces muito doces, da ceia noturna, do horror de comer bacalhau (as voltas que a vida dá: agora um prazer), e principalmente dos presentes mais ou menos acompanhados de uns quantos desapontamentos. (mais…)

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              Os nossos interesses

              De acordo com a lista anual na qual, como vem sendo habitual, a Google anuncia as palavras mais pesquisadas na Internet portuguesa, a atriz pornográfica Érica Fontes bate aos pontos Cristiano Ronaldo, tendo o cantor Tony Carreira ficado em terceiro lugar na classificação das «celebridades». Particularmente interessantes são os filmes mais pesquisados, liderados pelo seminal Velocidade Furiosa 6, logo seguido de Spring Breakers – Viagem de Finalistas. No top da comida e bebida, e contrariando a premiada dieta mediterrânica, ganha o bolo de chocolate, relegando para segundo plano o bolo de iogurte e uma vaga entidade designada «petiscos». Na classificação das marcas de automóvel, a tendência é mais para a mania das grandezas: o primeiro lugar é da Mercedes, seguida da BMW. Não admira pois que um grande número de portugueses – principalmente menores de 25 anos, aqueles que mais utilizam os motores de busca da Internet – se interesse tão pouco pelo seu próprio destino. Ou então, como a aplicação informática mais procurada é o Google Maps, estará já de malas aviadas, à procura de outra pátria.

                Apontamentos, Devaneios, Olhares

                Heróis, precisam-se

                Fot. Luis Cardia

                Condenado à morte por haver conspirado contra o czar, e após ter visto a pena ser comutada para prisão e degredo quando já se encontrava perante o pelotão de fuzilamento, Dostoievski acabaria por ser deportado para a Sibéria, onde seria mantido em regime de trabalhos forçados entre 1849 e 1854. Como se tal não tivesse bastado, avaliações posteriores iriam, na terra que fora a sua, condená-lo a um novo exílio. Assim, até 1953 os manuais de história e de literatura em vigor na União Soviética repudiaram a sua obra como «expressão da ideologia reacionária burguesa individualista». O fundamento desta acusação e da condenação liminar dos seus romances não se encontrava tanto nos enredos ou na evocação neles contida de valores considerados caducos, próprios de um tempo que a revolução de Outubro pretendera vencer, mas na tipologia dos seus heróis, preocupados acima de tudo com a fidelidade aos princípios e aos objetivos morais, mesmo quando, momentaneamente, as circunstâncias («o social», como alguns diriam) os podiam, ou deveriam, fazer vacilar. (mais…)

                  Biografias, Democracia, Leituras, Olhares

                  Odessa, cidade-escrita

                  Todas as cidades, em particular aquelas que têm uma longa história e por isso uma forte capacidade magnética, integram uma tensão entre a vida vivida e as representações que delas os livros vão guardando. Baudelaire, Kafka e Pessoa construíram «cidades literárias» que não se confundem com as descrições prosaicas dos que habitaram as ruas e casas de Paris, Praga ou Lisboa. Odessa, a cidade-porto ucraniana do Mar Negro, é todavia um caso singular, dado o seu percurso, composto de reminiscências nostálgicas e futuros plausíveis, ter sido em larga medida ficcionado através da escrita. Tanya Richardson, que a tem visitado inúmeras vezes, lembra, em Kaleidoscopic Odessa (2008), o seu caráter intenso e singular advindo de uma cultura complexa, de uma história sinuosa, de um cosmopolitismo que alimentou um forte sentimento de pertença e até de missão. (mais…)

                    Cidades, Leituras, Memória, Olhares

                    Da autocensura

                    Quando vejo a subserviência e a ausência de coragem que pairam aí por tantas redações de jornais, rádios e televisões, com tantos jornalistas, mais papistas que o papa, a autocensurarem-se – eu sei, eu sei, que não são todos e que andam por aí muitos dos bons –,  em vez de assumirem com nobreza e determinação a missão que é a sua, ocorre-me voltar a dois parágrafos exemplares de Manuel António Pina, saídos no Notícias Magazine em Outubro de 2011, como parte de uma crónica em registo memorialista.

                    Jovem repórter, fui uma vez enviado a Aveiro para cobrir o II Congresso da Oposição Democrática. Todos os dias escrevia dois ou três linguados e todos os dias a Censura reduzia a reportagem a duas ou três linhas. Ora aconteceu passar no Cine Teatro Aveirense (o Congresso decorria no Avenida) um filme que não queria perder, La bête humaine, de Jean Renoir. Decidi – pois, de qualquer modo, a Censura cortaria o mais que escrevesse – dizer do que, naquele dia, se passara no Congresso pouco mais que quem interviera e sobre o quê, e fui ver Renoir. Manuel Ramos [chefe de Redação] ficou furioso. «Mas é a única coisa que a Censura deixa sair…», tentei justificar-me. E a lição de Manuel Ramos: «A Censura que corte, é o seu papel. O nosso é escrever tudo, independentemente de haver ou não Censura».

                    Contra todas as expectativas, acabou por ser um dia feliz, vi La bête humaine e aprendi algo fundamental sobre a minha profissão: podemos ser forçados a calar-nos, mas é inaceitável que nos conformemos e nos calemos por nossa iniciativa.

                      Apontamentos, Democracia, Memória, Olhares

                      O pântano e a dignidade

                      Fotografia de Nira González

                      Era prática corrente da propaganda do antigo regime a exibição contínua e manifestamente exagerada das pequenas vitórias caseiras. Estas deveriam provar, dentro e para fora das fronteiras, que se éramos pobres e «felizmente atrasados», como Salazar chegou certa vez a descrever-nos, expondo sem artifícios a sua conceção rural e imóvel do mundo, tal não nos impediria de ser melhores que os outros em modestas mas honradas áreas de atividade. Mas por aí deveria ficar o limite da nossa ambição. (mais…)

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                        O camarada Álvaro

                        Álvaro Cunhal

                        Álvaro Cunhal completaria hoje 100 anos. Nos últimos meses têm-se multiplicado as iniciativas destinadas a celebrar a data, evocando a vida, a intervenção e o legado daquela que foi uma das figuras centrais do século XX português. E que foi também uma das vozes mais respeitadas dentro dos setores, hegemónicos no território da esquerda e no interior do movimento comunista internacional, que pautaram a sua ação pelo «exemplo de Lenine» e pelo modelo de construção do socialismo levado a cabo a partir de 1917 na antiga União Soviética. Tais iniciativas têm assumido diferentes formas: desde uma reedição anotada dos seus escritos a livros de pendor mais ou menos biográfico, passando por estudos sobre as muitas vertentes da sua intervenção pública, dossiês nos jornais, colóquios, debates, exposições, álbuns fotográficos, filmes ou programas de televisão. (mais…)

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                          Imperativos

                          Fragmento do notável discurso pronunciado em 10 de Dezembro de 1957, quando, de fraque alugado para a ocasião, Albert Camus recebeu em Estocolmo o Prémio Nobel da Literatura.

                          «O papel do escritor (…) é inseparável dos imperativos difíceis. Por definição, ele não pode colocar-se ao serviço daqueles que fazem a História. Se o fizer, ficará só e privado da sua arte. Os exércitos da tirania, com os seus milhões de homens, serão incapazes de libertá-lo dessa solidão definitiva, ainda que possam marchar ao seu lado. Já o silêncio de um prisioneiro desconhecido, abandonado à humilhação do outro lado do mundo, bastará para retirar o escritor do exílio, de cada vez que, pelo menos, este consiga, recorrendo aos privilégios da liberdade, impedir que esse silêncio permaneça ignorado, fazendo-o ecoar pelos meios que a sua arte fornece.

                          Nenhum de nós é suficientemente grande para cumprir uma tal vocação. Mas em todas as circunstâncias da sua vida, obscuro ou momentaneamente célebre, atirado às feras da tirania ou livre para se exprimir, o escritor pode reencontrar o sentimento de uma comunidade viva que o legitimará, na condição única de assumir enquanto puder as duas tarefas que fazem a sua grandeza: o serviço da verdade e o da liberdade. (…) Não pode acomodar-se à mentira e à servidão que, lá onde imperam, multiplicam as solidões. Sejam quais forem as nossas fraquezas pessoais, a nobreza da atividade do escritor radica-se sempre em dois compromissos difíceis de manter: a recusa de mentir sobre aquilo que sabemos e a resistência à opressão.»

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                            Nos cem anos de Camus

                            «Não sou filósofo, e por isso não posso falar senão daquilo que vivi. Vivi o niilismo, a resistência, a violência e a vertigem da destruição. Ao mesmo tempo, festejei o poder de criar e o esplendor da vida. Nada me autoriza, por isso, a julgar de uma forma sobranceira a época com a qual sou inteiramente solidário. Julgo-a a partir do seu interior, confundindo-me todos os dias com ela. Mantenho, no entanto, o direito de dizer sempre aquilo que sei sobre mim e sobre os outros, na condição única de que tal não sirva para aumentar a insuportável infelicidade do mundo, mas sim para designar, nos muros obscuros que vamos tacteando, os lugares ainda invisíveis ou as portas que podem ser abertas.» (Albert Camus, Actuelles II, 1953)

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                              Ser ou não ser

                              Um post com quatro anos recuperado do baú das futilidades.

                              Quando falamos de nós próprios é difícil esquivar a insolência. Se somos demasiado benévolos parecemos arrogantes, se nos fazemos de humildes ou despretensiosos tudo soa a contrafeito. E se procuramos parecer imparciais fazemos com que a nossa vida pareça um pântano de apatia e displicência. Mas vou correr o risco de desempenhar um desses papéis dizendo que gosto de me ver como um tipo da província. A figura faz-me uns anos mais novo e deixa que me sejam perdoados erros e omissões, bem como uma ou outra quebra das regras de etiqueta. Gosto dela porque me serve de máscara e às vezes de álibi. É pois como provinciano que me repugna um tanto o jogo social que passa pela ostentação da própria singularidade. Naquela atitude a que os decadentistas franceses da segunda metade do século XIX chamavam, à época com relativa propriedade, «épater la bourgeoisie». Ora é esta rejeição visceral do poseur que me fez gostar de ter conhecido um episódio como o relatado por Enrique Vila-Matas no Diário Volúvel. (mais…)

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                                Ruído de fundo

                                Começou nos estádios de futebol. Depois foram os elevadores. A seguir chegou às lojas de «roupa jovem» e aos autocarros pullman de longo curso. Mais tarde aos hipermercados e aos centros comerciais. Até aí, ainda vá: aceitámos ser constrangidos a ouvir insistentemente, naqueles espaços, música de gosto duvidoso, reproduzida aos berros em lastimáveis sistemas de som. Mas se a ideia inicial era apenas «animar» os cidadãos ou embriagá-los para comprarem mais, o horror ao silêncio – tomado como expressão de um sombrio vazio que é forçoso preencher – tornou-se no presente a causa essencial do constante e frenético ruído de fundo, das vagas de alarido supostamente ritmado, intragável para quem gosta de sossego, de conversar ou apenas de ouvir música com qualidade estética, equilíbrio acústico e adequada às circunstâncias.

                                Agora entramos em cafetarias de museu, galerias de arte ou livrarias, espaços tradicionalmente reservados – mas a tradição já não é o que era, bem sei – à reflexão e ao alimento do espírito, e temos de ouvir «Apache», o velho tema dos Shadows, em versão-sucedâneo de Waldo De Los Rios ou de Ray Conniff & His Orchestra and Chorus. Ou então antigas canções dos Creedence Claearwater Revival passadas de forma aleatória. Ou ainda decrépitas antologias de b-sides da Tamla Motown e temas esquecidos do Top of the Pops. É demais. Apetece perguntar: para quando drum’n’bass nas repartições de finanças? E quando teremos techno ou trance com a amplificação no máximo nos cemitérios? Para animar os cidadãos mais sorumbáticos e introspetivos, claro. Os utentes sempre poderão seguir o ritmo e esquecer-se de que estão a matá-los. Ou mesmo de que já estão mortos.

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                                  Lou Reed

                                  À medida que vamos avançando no nosso próprio roteiro, cresce o número dos que vão morrendo e com eles levam uma parte de nós. Não acontece só com os familiares mais chegados, os amigos queridos, as ex-namoradas, os colegas de todos os dias, os rancores mal resolvidos, aqueles que foram parte mais ou menos sólida do nosso universo. Acontece também com os que, à distância, sem o verem, sem o suspeitarem, ajudaram a alimentar a fábula da nossa existência. De cada vez que partem, já se sabe, levam sem devolução possível alguma coisa nossa. Sem Lou Reed, a minha perfeição dos dias jamais será a mesma.

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