Arquivo de Categorias: Etc.

«Hoje Battisti, amanhã tu»

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Um grupo de cantores portugueses juntou-se para interpretar esta canção de apoio Cesare Battisti. Pode encontrar aqui mais informação sobre o caso deste homem, perseguido desde há quatro décadas, sempre debaixo de falsas ou tortuosas acusações, principalmente por um dia ter acreditado num mundo mais justo. Um caso de «injustiça poética» que não pode consumar-se.

    Etc.

    Aerograma

    Natal 2010

    Nunca fui um adorador do Natal, com o seu burrinho, a sua vaquinha, e a restante parafernália pagã cercando o pequeno nazareno. Não por ter vivido muito cedo um qualquer momento de epifânica suspeição em relação a esse evento capital – bem mais forte por certo, para uma criança, do que o aflitivo instante do martírio – da religião na qual fui educado. Não por me agoniar «desde que me lembro» a dissipação, o luxo e a hipocrisia que geralmente rodeiam os espaços iluminados que lhe servem de trilho e de cenário. Afinal até houve um tempo no qual acreditei sem reservas na generosidade do Pai Natal e se me deixassem teria passado noites ao frio, emboscado num ermo escuro, para o ver passar de trenó na companhia da simpática rena Rudolfo. E atalhar logo com a minha encomenda. O desgosto não veio por aí, não. Chegou depois, pela percepção forte, sempre renovada, vivida como um calafrio, de uma ficção de paz, de compaixão o de igualdade que só consigo materializar quando me levanto da mesa da consoada, deixo o peru no sossego da travessa, e vou lá fora, em silêncio, sondar os rumos e os azimutes.

      Apontamentos, Devaneios, Etc.

      A menina dança?

      Encontrei no Arquivo da Internet Portuguesa alguns pequenos textos publicados noutros blogues e que julgava perdidos. Recupero para já este, escrito em 2005 após o encontro casual com um manual de dança de salão. Segue com dedicatória a quem tem feito constar de maneira infame que este blogue «anda demasiado sério».

      A menina dança?

      Uma tarde de domingo será sempre uma boa tarde para rodopiar. Por companhia Dança Comigo, um compêndio achado numa feira do livro que oferece por um singelo euro os conselhos avisados de quem se vê logo ser pessoa experiente. Anuncia o autor, o Sr. Castelló, que, ao dançar, deve «a dama» saber-se inequivocamente conduzida. E, dócil, sacarina, «sentir a mão do cavalheiro nas suas costas e na sua omoplata, com firmeza e segurança». Certo o lesto varão de que à expectante fêmea «mão frouxa e apática lhe não inspirará confiança». Deverá, porém, mostrar-se a mulher complacente para com as dificuldades que, nas viravoltas do baile, possa o acompanhante revelar. Se tal acontecer, solução haverá, esforçando-se ela por dançar «um pouco em pontas e tentar voltar o dedo grande do pé em direcção ao passo que vai dar, sempre como prolongamento do tornozelo e nunca da planta do pé». Sugere ainda o mestre que, seja qual for a situação, se revele sempre a maior compreensão «para com os cavalheiros principiantes», pois, magnânimo, assegura que «um olhar, um gesto ou uma palavra de censura podem desmoralizar completamente o cavalheiro inseguro», sendo certo que, a partir de tão fatídico momento, este «não mais consiga acertar durante o resto da música». Quase duzentas páginas, suadas e vertiginosas, de contributo editorial para a compreensão entre os povos. Igualmente capazes de se revelarem uma fonte de aflições e de eventuais entorses. Ou de sucesso no amor.

        Apontamentos, Devaneios, Etc.

        Fogo-de-artifício

        WikiLeaks

        Kim Jong-Il «é um gajo com aspecto flácido» e «com traumas físicos e psíquicos». Silvio Berlusconi «é irresponsável, vaidoso e ineficaz como um líder europeu moderno», mostrando «um gosto pronunciado pelas festas». Dmitri Medvedev «serve de Robin ao Batman Putin», sendo este «o macho dominante». Nicolas Sarkozy «tem a pele fina» e «um estilo pessoal muito susceptível e autoritário». Muamar Kadafi «usa botox e é um verdadeiro hipocondríaco», trazendo sempre consigo «uma enfermeira ucraniana de peito bastante avantajado». Angela Merkel é uma pessoa que «evita correr riscos», a quem «falta muitas vezes a imaginação». E Robert Mugabe «um homem maluco». Mais: Condoleeza Rice e Hilary Clinton reforçaram as iniciativas de espionagem da Casa Branca, os sunitas sauditas odeiam os xiitas iranianos, o primeiro-ministro turco tem uma agenda islamista escondida e a China andou a sabotar o Google e várias redes de computadores. A sério? Não me digam!

        Pouco mais parece ser do que conversa para consumidores de headlines e de notícias sensacionalistas, ou então de tema a explorar por bloggers com falta de assunto, a informação que a WikiLeaks acaba de libertar baseada em informações trocadas entre 2006 e 2009 pelos serviços diplomáticos e militares americanos espalhados pelo planeta. Os jornais rejubilam com as «grandes notícias», anunciando que «EUA espiam líderes estrangeiros» ou que os seus serviços secretos os «ridicularizam» comentando de forma demasiada directa, por vezes chistosa ou brutal, o perfil pessoal e político deste ou daquele. Perante tanta banalidade, vista e revista por quem conheça uma ponta da história da espionagem e da actividade diplomática que decorre longe dos microfones e das objectivas, podem fazer-se umas quantas perguntas tolas. Por exemplo: seria então suposto os EUA não possuírem um serviço de informações activo e diligente associado à actividade diplomática? não deveria este fazer relatórios sobre as personalidades e os comportamentos das pessoas que tomam as decisões centrais em cada país? encontra-se por ali informação que espante alguém atento à política internacional e às suas figuras mais destacadas? Tente-se perceber os motivos de uma admiração tão deslocada seguindo, por exemplo, os dossiês editados no El País, no Le Monde e no New York Times. Por mim, que já andei por lá a esquadrinhar, ainda não deparei com uma só informação completamente nova, um dado realmente perturbante ou sequer uma fofoquice verdadeiramente decente. A quem servirá então (ou para que servirá) todo este festival de fogo-de-artifício com alguns pormenores cómicos?

          Atualidade, Etc., Olhares

          Aceitar é difícil

          Upton Sinclair entre a multidão

          Uma frase de Upton Sinclair – «É difícil conseguir que um homem perceba uma coisa quando o seu salário depende de não percebê-la» – resume muito bem um princípio de política que corrompe o debate democrático. Aceitar as razões dos outros quando elas chocam com os nossos interesses pessoais, sejam eles legítimos ou inconfessáveis, representa sempre um acto de coragem e de entrega para o qual poucos de nós estamos preparados.

            Apontamentos, Etc.

            Agora não, talvez depois

            Num acesso súbito de imodéstia, pensei em escrever um post crítico mas optimista sobre os caminhos previsíveis da nossa vida colectiva num tempo próximo presente. Mas fui incapaz, não me saiu uma ideia, não consegui ver mais longe do que um palmo à frente do nariz. O nevoeiro está cerrado, o terreno escorregadio e falta-me uma lanterna.

            nonsense

              Apontamentos, Devaneios, Etc.

              Palavras rápidas

              As palavras e a crise

              Quando tive a primeira gramática – se não me engano a de Pires de Castro, que já vinha do final dos anos trinta e herdei de um tio – fixei-me, como qualquer criança normal que prefere o misterioso e o inesperado, nas interjeições. Essas palavras-relâmpago, indeclináveis, que nunca mudam mas revelam sempre fortes estados emocionais e sensações súbitas. Que empurram sem nos deixarem pensar, que incentivam ou assustam dispensando frases que demoram demasiado tempo a pronunciar. Com algumas foram casos de amor à primeira vista: Apre! Irra! Arre! Ufa! Eia! Sus! Mesmo o Ai! e o Ui! pareciam bombons para quem achava ainda que a dor durava só um segundo. Existiam também aquelas que o padre confessor traduzia numa penitência infernal de dez salvé-rainhas, trinta pai-nossos e cinquenta avé-marias, como Porra! Merda! Chiça! e outras que os vocabulários impressos omitiam. A vida vivida foi trazendo mais, menos vulgares, imperativas, como Oxalá! Coragem! Força! Avante! Tchau! Uau! Já o assanhadiço Capitão Haddock ensinou-me as melhores: Raios! Coriscos! Ectoplasma! Equinoderme! Cercopiteco! Lembrei-me de todas elas por estes dias ao sentir na pele os pesados açoites do PECIII, ao ouvir as palavras dos economistas de uma nota só que pedem mais e mais sangue, ao ver os noticiários dos canais de televisão que se comprazem em deixar-nos mais deprimidos a cada minuto. Credo! Chega! Socorro! Rua! Ah! Aaaaaahhhhhh!

                Atualidade, Devaneios, Etc.

                Sol e poeira

                Open Range

                Havia tempo. Tinha saudades de um western normal e previsível. Daqueles onde os maus, gananciosos e sem piedade, se encontram de olhos nos olhos com os bons, firmes quando é preciso mas sempre generosos, sob um sol toldado pela pólvora e pela poeira. Noite fora e sem pipocas, vi ontem, via RTP1, Kevin Costner e Robert Duvall em quase três horas de um filme assim.

                «Waite, Spearman, Button e Harrison tentam fugir ao passado, criando gado nas pradarias, onde a lei é a da Natureza. Os cowboys tentam seguir um código de lealdade e integridade e evitam a violência. Ao chegar a uma cidade dominada pela corrupção e tirania, no entanto, estes homens são forçados a entrar em acção.»

                No final de Open Range (A Céu Aberto, de 2003, dirigido por Costner), e em harmonia com o modelo, consumada a justiça o pistoleiro de boa índole pediu em casamento a moça compassiva – bem, já não era tão moça assim pois «já lhe despontavam as cãs» – que sempre esperara por ele. E a paz regressou à pradaria. Quando apareceu no ecrã o clássico «The End» transpirava um pouco e tinha na boca o sabor inconfundível de um filme «para maiores de 12 anos». Tinha saudades.

                [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=MyS53TALCY8[/youtube]
                  Cinema, Devaneios, Etc.

                  Fantasia

                  navegar é preciso

                  Há bem mais de um ano que não controlava as frases depositadas nos motores de busca que transportam os leitores irregulares até este blogue. Mas devia fazê-lo mais vezes porque aprendo sempre imenso sobre as fantasias e os conflitos mais cavados de quem me lê de raspão. Nesta semana duas frases se destacam de todas as outras: «meninas vestidas de soldado» e «se eu gostasse muito de morrer». Em ambos os casos a minha imaginação, que por estes dias se tem sentido tristemente paralisada, libertou-se e voou à solta. E a sua?

                    Devaneios, Etc., Oficina

                    This is what dreams are truly made of

                    Bebé

                    No Verão os sonhos acontecem. No mundo do futebol em particular. Djelmar transferiu-se para o Deportivo de Villanueva del Fresno e afirmou «viver um sonho». Britinho assinou por dois anos pelo F.C. de Mogofores e declarou à Trombeta das Beiras ser esse o seu «sonho de menino». Kadu passou do Libertadores do Ceará para o Recreativo de Mocoró e afirmou à torcida mocoroense ser a mudança um sonho feito verdade. Mas nada de comparável ao que aconteceu com Tiago Manuel Dias Correia, Bebé, o rapaz nascido no Cacém que ainda há um ano jogava futebol de rua e agora, praticamente sem experiência de futebol profissional, foi vendido pelo Guimarães ao Manchester United por 10 milhões de euros. Sem formação que não a obtida em ruelas empedradas, pracetas de subúrbio e campos carecas. Sem longos anos a dar cabo dos olhos com livros ilustrados e monitores magalhânicos para «adquirir competências». Presumivelmente sem saber inglês técnico. Claro que Bebé nos diz, deslumbrado, ser «um sonho» poder jogar de vermelho no relvado de Old Trafford. Quem somos nós para o fazer cair na realidade?

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