Quando tive a primeira gramática – se não me engano a de Pires de Castro, que já vinha do final dos anos trinta e herdei de um tio – fixei-me, como qualquer criança normal que prefere o misterioso e o inesperado, nas interjeições. Essas palavras-relâmpago, indeclináveis, que nunca mudam mas revelam sempre fortes estados emocionais e sensações súbitas. Que empurram sem nos deixarem pensar, que incentivam ou assustam dispensando frases que demoram demasiado tempo a pronunciar. Com algumas foram casos de amor à primeira vista: Apre! Irra! Arre! Ufa! Eia! Sus! Mesmo o Ai! e o Ui! pareciam bombons para quem achava ainda que a dor durava só um segundo. Existiam também aquelas que o padre confessor traduzia numa penitência infernal de dez salvé-rainhas, trinta pai-nossos e cinquenta avé-marias, como Porra! Merda! Chiça! e outras que os vocabulários impressos omitiam. A vida vivida foi trazendo mais, menos vulgares, imperativas, como Oxalá! Coragem! Força! Avante! Tchau! Uau! Já o assanhadiço Capitão Haddock ensinou-me as melhores: Raios! Coriscos! Ectoplasma! Equinoderme! Cercopiteco! Lembrei-me de todas elas por estes dias ao sentir na pele os pesados açoites do PECIII, ao ouvir as palavras dos economistas de uma nota só que pedem mais e mais sangue, ao ver os noticiários dos canais de televisão que se comprazem em deixar-nos mais deprimidos a cada minuto. Credo! Chega! Socorro! Rua! Ah! Aaaaaahhhhhh!