Author Archives: Rui Bebiano

Kate, Jack, Ethan e George

Enquanto instalo a nova versão do Nero, aquele software americano indispensável para manipular, guardar e distribuir som e imagem a partir do computador, deparo com uma inovação surpreendente. Durante a instalação vão-se sucedendo no ecrã informações e dicas sobre a melhor forma de utilizar o programa, o que não é novidade alguma. Mas agora todas elas surgem claramente diferenciadas, de acordo com o papel que cada um dos membros da família supostamente irá desempenhar na sua manipulação. A voz é sempre a de Kate, mulher, mãe e dona de casa, que tranquiliza o proprietário do computador e se interessa particularmente por filmes para ver em família. Jack, o pai, é hiper-responsável e apenas lhe importam as imagens que irá utilizar no trabalho, nada de tempo perdido (depois das duas da manhã já será outra coisa, presumo). O filho de ambos, Ethan, toca numa banda e, gandamaluco, só pensa em manipular ficheiros de mp3. Já o avô George está claramente gagá e apenas se servirá do programa para digitalizar e organizar fotografias dos bons velhos tempos. Papéis bem separados e tudo nos eixos, sem confusões. Uma apresentação que funciona como um sintoma de retrocesso social ou serei eu que estou a ver indícios onde eles não existem?

PS – Um leitor corrigiu-me: o Nero é alemão, e não americano. Mas quase não se nota…

    Apontamentos, Atualidade

    Compreendi-te

    Vasco

    O pessoal não perdoa as declarações despropositadas e um pouco estrambólicas de Manuela Ferreira Leite sobre a necessidade de uma licença sabática semestral da democracia. E toca de zurzir a senhora como putativa candidata a ditadora. Mal disfarçada com aquele anacrónico colar de pérolas, ainda por cima. Um exagero, um erro de análise, como reconhecerá qualquer cidadão sensato sem vontade de citar Brecht e de disparar dois tiros para o ar ao menor pretexto. Uma amiga menos intransigente, e provavelmente mais sábia, fala-me da possibilidade da irmã do advogado e comentador futebolístico Dias Ferreira ter bebido um copito a mais durante aquele almoço na Câmara de Comércio Luso-Americana. Quero acreditar que sim. Não sei porquê, é uma ideia que me agrada. E uma ideia que também me alivia um pouco.

      Atualidade, Devaneios

      Desigualdade de facto

      Da bula de um medicamento que o médico me prescreveu:

      Utilização em doentes negros com pressão arterial elevada e dilatação do ventrículo esquerdo
      Num estudo em doentes com pressão arterial elevada e uma dilatação da cavidade esquerda do coração, COZAAR demonstrou diminuir o risco de acidente vascular cerebral e ataque cardíaco, e ajudar os doentes a viver durante mais tempo. No entanto, neste estudo, estes efeitos benéficos não se aplicaram a doentes negros.

        Etc., Recortes

        Culto das aparências

        Look

        A crise no consumo instala-se e o comércio a retalho precisa quase desesperadamente de clientes. Já tinha notado um exagerado aumento da simpatia em algumas lojas nas quais era até agora tratado com uma cortesia que se aproximava da indiferença. Hoje tive a confirmação com uma mensagem de SMS – desatento, devo ter dado o número de telemóvel para uma qualquer «ficha de cliente» – na qual me prometiam quatro camisas e uma gravata na compra de um fato completo. Ainda por cima com bastante tempo para me decidir. Vou fazer-me de caro a ver se a proposta melhora um pouco, e daqui por umas semanas vou estar com um look bestial sem ter de recorrer ao cartão de crédito. Depois irei inscrever-me numa escola de tango.

          Devaneios, Etc.

          Uma lição de João (adenda)

          João Martins Pereira

          Originalmente em Caminhos da Memória

          O texto que escrevi ontem sobre o desaparecimento de João Martins Pereira não era uma evocação nem pretendia servir de obituário. Correspondeu apenas a uma reacção a quente perante a notícia da morte de uma pessoa que não conheci pessoalmente mas me habituei a acompanhar. Na minha biblioteca, em lugar acessível, os seus livros estão encostados aos de António José Saraiva e de Eduardo Lourenço, e julgo que tal poderá dizer alguma coisa a alguém. Ou di-lo a mim, pelo menos. Não falei portanto de algumas das suas intervenções e das ausências me falaram mails que recebi entre ontem e hoje. Não lembrei, por exemplo, a sua proximidade dos processos de fundação do MES e, muitos anos mais tarde, do Bloco de Esquerda. Ou a sua actividade como professor, engenheiro e cronista.

          Mas uma ausência me parece de facto injusta. Num testemunho conciso e comovente saído hoje no Público, Eduarda Dionísio anota o esquecimento de um jornal absolutamente único, publicado a partir de 1975, do qual João Martins Pereira foi director, colaborador e acima de tudo grande entusiasta. Tratava-se da Gazeta da Semana, anos depois reduzida por dificuldades várias a Gazeta do Mês, e do qual até tinha a colecção completa, desaparecida algures junto com um caixote que levou descaminho numa qualquer mudança. Sobraram-me apenas alguns exemplares dispersos, e é de um deles que me sirvo para ajudar a preencher a falha.

          Junho de 1980, artigo «Resistir ou Re-existir» na Gazeta do Mês número 2: «A condição feminina é-me exterior, como o é, num outro plano, a condição operária, a mim, intelectual de extracção burguesa. Libertar-me do complexo de “não ser operário” não é distanciar-me do problema da exploração. É justamente escolher colocar-me, em relação a ele, na única posição que, de boa-fé, me é possível assumir: a da apreensão intelectual, a da “teoria”, a de uma prática solidária, que não a de uma prática vivida (impossível) ou a de uma prática imitada (falsa). Levantemos de uma vez certas ambiguidades persistentes: não posso fazer minha a luta pela emancipação feminina, como não posso fazer minha a luta proletária. Estou com elas. E ao estar com elas, isso determina-me nas lutas que me pertence, a mim, travar.» Parágrafos destes, num tempo dominado agora pelos exageros do politicamente correcto e pelo receio da exposição pública, não existem muitos.

          [Entretanto o Centro de Documentação 25 de Abril disponibilizou online a colecção da Gazeta da Semana]

            Apontamentos, Memória, Opinião

            ♪ Deixa-me rir

            Jorge Palma

            Jorge Palma escreve canções inesquecíveis. E é um belo poeta em qualquer parte do mundo. Agora que alguém diga, a propósito do lançamento de Voo Nocturno, o seu novo álbum de originais, que o músico «possui uma voz maravilhosa» – como ouvi hoje uma jornalista afirmar – é pior que mencionar Tom Waits qualificando o seu timbre vocal como aveludado. E será, creio, uma ofensa feita ao trovador JP da voz nenhuma. Pior mesmo só proclamar à urbe e à orbe que o maldito bufão «canta e encanta». O que também já tive a oportunidade de ler.

              Cinema, Música

              Uma lição de João

              Fotografia: Dulce Fernandes e Público

              Originalmente em Caminhos da Memória

              Morreu ontem João Martins Pereira. Na Primavera de 1971 comprei um livro seu, Pensar Portugal hoje – publicado pela Dom Quixote em plena «abertura marcelista» -, no qual, entre outros temas urgentes, se abordava já, pela primeira vez de forma explícita e de um ponto de vista reflexivo, o carácter subversivo da mudança de costumes que Portugal se encontrava então aceleradamente a viver. Essa mesma que ainda hoje permanece algo subavaliada por alguns historiadores, em detrimento da ênfase dada a uma mudança política efectiva mas mais lenta e epidérmica. Recorro a um sublinhado meu datado daquele ano:

              «A passagem da rigidez quase total à flexibilidade quase total (…), eis mais uma aprendizagem em que se inicia a classe dominante entre nós. Foi já duro o caminho que a levou dos tempos (não tão recuados) em que nas nossas praias não se podia ver um tronco masculino ao léu (…) até àqueles mais próximos em que os pacatos burgueses saborearam sem pestanejar a fustigação das costas de Romy no filme A Piscina. Aliás (…) no campo dos “costumes” terá tido uma influência decisiva a intensificação dos movimentos de pessoas nos dois sentidos: o turismo estrangeiro em Portugal e as deslocações cada vez mais frequentes de portugueses ao estrangeiro (bolsas, turismo universitário, turismo tout court, a própria emigração). Os portadores da “moral tradicional” viram-se totalmente ultrapassados, e terão talvez ficado surpreendidos que não tenham sido plateias uivantes e babando-se de lascívia as que assistiram aos primeiros nus nos nossos ecrãs. Nada disso: o melhor da nossa burguesia (e não só a intelectual) já estava muito mais «avançada» do que supunham – mesmo a que saía do Blow Up para se encafuar na missa das 7 mais próxima.»

              João Martins Pereira viria anos depois a ser secretário de Estado da Indústria do 4º Governo provisório, acompanhando o ministro João Cravinho e colaborando na complexa gestão das nacionalizações. Viria a demitir-se em divergência com a política do governo e a incapacidade deste para responder a uma crise económica cujos resultados, nessa altura de grandes esperanças mas de vacas bem magras, a maioria dos portugueses sentia na pele.

              Publicou também O socialismo, a transição e o caso português (ensaio sobre o capitalismo em Portugal), Indústria, ideologia e quotidiano, Para a História da indústria em Portugal, ou, em co-autoria, À esquerda do possível. Um tanto esquecido, por razões que não será demasiado difícil compreender, um outro título que constitui uma das mais corajosas, mas também mais solitárias, reflexões políticas a contracorrente produzidas nesses anos de chumbo que iriam desembocar no espectro messiânico do primeiro cavaquismo. Refiro-me a No reino dos falsos avestruzes (um olhar sobre a política), editado em 1983, um livro onde se procuram desmontar alguns mitos que estavam na época em pleno processo de fabrico: o da sacrossanta «iniciativa privada», o do diabólico «gonçalvismo», o da salvífica CEE ou o do «desejado» Ramalho Eanes. E onde se procurava também repensar o papel da esquerda no meio de tal selva pós-revolucionária. Volto a destacar um sublinhado já gasto pelo tempo mas que ainda poderá iluminar certas consciências desamparadas:

              «A banalização do adjectivo “utópico” num sentido pejorativo não deveria impressionar nem complexar a Esquerda; foi a Direita que, ao pretender-se realista e pragmática, lhe lançou essa armadilha. (…) A Esquerda será sempre um “campo de tensão”, a tensão do inventor antes da invenção, do descobridor antes da descoberta, do poeta antes do poema – enfim, do criador antes da criação. É esse “antes” que necessariamente gera a tensão: a Esquerda sabe que nunca chegará à sociedade perfeita, um pouco como Zenão no paradoxo da tartaruga.»

              Poucas pessoas terão produzido tantos, tão originais e tão anti-dogmáticos contributos para uma reflexão da esquerda portuguesa sobre o mundo e sobre si própria. A partir de Sartre, ponto de partida de tantos dos da sua geração, João Martins Pereira laborou, como lembra Francisco Louçã no combate.info, num «marxismo heterodoxo, culto, informado de toda a dissidência e da radicalidade revolucionária do pensamento socialista». Terá até, mais recentemente, ido bem para além deste. Foi ainda, como é de calcular, uma pessoa de causas, ainda que mal aclimatado a militâncias redutoras da liberdade do indivíduo e da capacidade para pensar sempre o impossível desejável. Quem o conheceu diz que era também um homem decente.

              Um radical e um utopista, sem dúvida. Ouçamo-lo ainda no Reino: «Todos nós sonhámos com a bela noite em que partiríamos com a trupe do circo ambulante. On the road… Miúdos, vivíamos na pele dos pequenos acrobatas nos seus maillots luzidios. Adolescentes, imaginávamos a louca aventura com a bela trapezista (…). O circo deu-nos a primeira ideia de liberdade sem limites e por isso mesmo os ajuizados regressos a a casa em cada noite de circo terão sido das nossas primeiras sensações de derrota (…). O circo colocou-nos o primeiro desafio à ordem estabelecida». Defendendo, a partir daqui, uma dimensão criadora da marginalidade que não é recusa ou exclusão, mas atracção pelo lado lúdico da existência e de crítica ao sistema que a todo o instante procura cerceá-lo, concluirá que «os marginais são apenas uma minoria dos oprimidos – e só em conjunto todos se libertarão».

              Viver pensando e aceitando esta magnífica possibilidade parece ser uma bela forma de ser-se solidário com os outros e de viver a própria vida. Uma lição de João.

              [uma adenda aqui]

                Apontamentos, Memória, Opinião

                Cuba aguarda

                Cuba Si

                Um dos temas mais persistentes e difíceis que tem marcado o imaginário da esquerda ocidental nos últimos cinquenta anos refere-se à memória e às representações da revolução cubana. Persistente porque o seu impacto irrompeu de forma fulgurante com a vitória dos guerrilheiros barbudos na noite de S. Silvestre do ano de 1959, prosseguindo com a construção de um poder de tipo novo, comandado por líderes juvenis cujo perfil informal e único impôs uma capacidade universal de atracção, e reanimando-se, após o desaparecimento da União Soviética, como derradeiro «farol do socialismo». Difícil porque o carácter marcantemente sedutor de la Revolución levou a que, em nome de um passado pessoal que impôs convicções para a vida inteira, ou por verem na experiência cubana uma retaguarda de certezas que não encontravam mais noutro lugar, pessoas de diferentes gerações foram fechando os olhos a uma leitura crítica da evolução do regime castrista e à sua gradual transformação num poder autoritário e imobilista. Ao mesmo tempo, a fantasia de um «romantismo tropical», de início apoiado numa mitografia revolucionária luminosa mas hoje essencialmente sustentado pelo ramerrão da propaganda e por uma indústria de turismo vocacionada para a classe média europeia, tem embelezado a realidade difícil e opressiva. A verdade é que até muitas das pessoas que criticam sem hesitação a dimensão burocrática e repressiva do modelo soviético de «construção do socialismo» continuam a resistir a equipará-lo à experiência cubana, desculpabilizando-a e insistindo no seu carácter comparativamente «benévolo» e na sua «diferença»: a imagem que dela conservam permanece no santo dos santos do seu sistema de referências e custa-lhes muito retirá-la de lá.

                É desta ambiguidade transgeracional que partiu a concepção do álbum de banda desenhada CUBA Père et Fils, da autoria de Pierre e Jacques Ferrandez e recentemente editado pela Casterman. Os dois desenhadores, pai e filho, visitaram Cuba por diversas vezes ao longo dos últimos anos, tendo sido a partir da sua experiência prolongada que conceberam esta obra situada entre a ficção e a reportagem e dividida em duas partes complementares. A primeira comporta uma narrativa clássica: dois cubanos, um mais velho, Luis, nostálgico defensor da «sua» Revolução, que retorna à sua ilha e ao seu passado, o outro mais novo, o seu filho Ronaldo, descrente e ávido de um mundo distante do qual apenas conhece a superfície, deambulam pela ilha enquanto vão confrontando sensibilidades e pontos de vista que ora se separam ora se aproximam. Já a segunda parte recupera os cadernos de viagem escritos e ilustrados durante as suas estadias pelos dois autores, transformando-os num conjunto de artigos que circunstanciam, prolongam e em alguns momentos esclarecem a ficção inicial. Ambas as secções insistem, porém, na complexidade de uma sociedade, distribuída por três gerações, que permanece ainda sob a tutela daqueles que falam em nome da primeira delas. «Não é possível reduzir Cuba a duas gerações», explica Jacques Ferrandez no prefácio. «Há a primeira, a dos históricos da revolução. Logo de seguida vêem os seus filhos, todos eles educados para se tornarem comunistas e revolucionários perfeitos, mas hoje mergulhados na dúvida e na desilusão. E, por fim, chega a terceira geração, composta por jovens frequentemente indiferentes que não aspiram senão a viver, e que, em muitos casos, têm a consciência de Cuba se haver transformado no bordel do Ocidente.»

                A duplicidade domina o ambiente que os dois desenhadores encontraram. Durante uma das viagens, contam como um piloto de helicóptero, antigo oficial da força aérea, lhes explicava a dado momento que «Cuba é a terra da revolução e um país formidável», para logo depois lhes confessar o oposto: «Isto é tudo uma merda. Nada disto é verdadeiro.» Quem visite hoje Cuba caminhando um pouco por sua conta e risco, de olhar desperto e sem a cegueira imposta pelos pressupostos ideológicos, traz sempre consigo dezenas de episódios análogos para contar. Conscientes dessa distância entre a realidade e a propaganda, os autores procuraram, de facto, desconstruir o velho mito cubano. Mas reconhecendo, ao mesmo tempo, a dimensão simultaneamente objectiva e utópica das circunstâncias e das expectativas que o produziram. E captando também a presença, ainda mais perceptível após a investidura de Raúl Castro em Fevereiro de 2008, de um vento de mudança que se perfila no horizonte dos onze milhões de ilhéus: «os cubanos aguardam e a esperança parece estar em vias de reflorir em Cuba». Paradoxalmente, se tomarmos em consideração a sua história recente, o vizinho americano poderá dar uma pequena ajuda.

                  Atualidade, Memória

                  Traumas

                  Mary Poppins

                  Um pesado momento traumático ocorreu quando deparei com uma fotografia de Julie Andrews – responsável por continuadas tentativas de imbecilização das quais fui alvo durante a pré-adolescência, e que imaginara um ser angélico e assexuado – apresentando-se à sociedade, creio que no filme S.O.B., com uma desafiadora caixa torácica devidamente ao léu. Um outro, que terá perturbado uma geração mais recente, relaciona-se com as transformações plásticas de Ana Malhoa, a saudosa animadora das tardes de domingo do Buéréré. Outro ainda, que poderá afectar negativamente milhares de crianças, acaba entretanto de ocorrer: numa capa da Caras, reproduzida no blogue melancómico, deparei com a cidadã portuguesa Luciana Abreu, que deu corpo na televisão à assombrosa Floribella, a princesa das meninas-totós, revelando-se a quem a queira ouvir «uma mulher ousada e sensual». Não há direito. O Ministério da Educação, a Conferência Episcopal e o Doutor César das Neves deveriam tomar uma posição pública contra isto.

                  Adenda – Encontrei entretanto uma evocação de Andrews na qual um leitor documenta o supra-citado efeito. Transcrevo: «(…) Quero agradecer a Deus o privilégio de ter conhecido Julie Andrews através de seu filme mais famoso “The Sound of Music” ou a “A Noviça Rebelde” em português [“Música no Coração” em Portugal]. Sua atuação é maravilhosa e terminou por marcar minha vida para sempre pela sua meiguice e talento invejável. O primeiro filme que assisti com Julie Andrews foi Mary Poppins que marcou minha infância.» Assim está bem, não há problema.

                    Devaneios, Olhares

                    Chove em Havana

                    Havana

                    Porque há já alguns dias não passava pelo Generación Y, também não tinha lido o artigo de Yoani Sánchez sobre a curiosidade e as expectativas cubanas – dos cubanos comuns, pessoas da rua que vivem apenas vivem a sua vida – a propósito das eleições americanas. Um excesso de tédio produzido por dois presidentes em cinquenta anos e uma América física e culturalmente muito próxima, aguçaram o interesse e levaram até a tomadas de posição por um ou por outro dos candidatos. Com expectativas que se prendem com o futuro de Cuba, naturalmente. No ar, a sombra de uma democracia em diferido e uma vontade de que tudo mude para melhor, pois para pior já basta assim. Com a esperança de que, também aqui, a América se possa comportar agora de uma forma menos obtusa e brutal, deixando de fornecer argumentos a quem, ali mesmo, continua a defender-se com garras e dentes de uma mudança sempre adiada mas cada vez mais inevitável.

                      Atualidade, Olhares

                      Crise de personalidade

                      Bond, James Bond

                      Estou chocado. Continuo a ser um bondiano convicto e a reconhecer que Daniel Craig, natural do condado de Cheshire, é o segundo melhor e mais convincente Agente 007, logo depois do escocês Sean Connery e imediatamente antes do irlandês Pierce Brosnan. Mas, como escreveu Pedro Correia, em Quantum of Solace um James Bond improvável, nada cínico, politicamente correcto, de roupa suja e enxovalhada, quase desligado do sexo e do álcool, é, apesar da orgia de tiros, explosões, socos e pontapés, e de mais duas harmoniosas bond girls a juntar à colecção, um ser um pouco entediante e sem o charme discreto da sacanice que o acompanhou no passado. Sinto-me enganado. Quero de volta o meu herói-vilão da Guerra Fria.

                        Cinema, Olhares

                        Professores

                        Aula

                        É abusiva a atitude dos partidos, dos sindicatos e de outras entidades colectivas quando declaram falar em nome «da classe operária», «dos trabalhadores», «dos portugueses», «das mulheres», «dos jovens» ou «dos magarefes». A diferença de interesses e de atitudes, tão imprescindível quanto inevitável nas sociedades democráticas e complexas, condiciona a dificuldade de falar em nome de um todo que é necessariamente múltiplo e contraditório. Mas aqueles que exprimiram publicamente os objectivos comuns da grande manifestação dos professores que decorreu este sábado têm alguma legitimidade para o fazerem, uma vez que a dimensão do movimento tornou inequívoca a convergência da esmagadora maioria numa oposição bem clara às linhas centrais da política educativa do governo. Por isso a posição arrogante e autista da direcção do PS se torna ainda mais chocante e incompreensível. Por isso se pode dizer que os professores, quase todos os professores do ensino básico e secundário – os do superior, e contra mim falo também, permanecem incompreensivelmente passivos –, estão em luta e querem que alguma coisa mude. Ou pelo menos que a sua experiência e os seus pontos de vista não sejam ignorados.

                          Atualidade, Opinião