Author Archives: Rui Bebiano

Phala

A Phala

Uma boa notícia o ressurgimento d’A Phala (1# 2007) que promete ser para manter. Formato novo, mais facilmente manipulável, num número que é em larga medida dedicado a Cesariny (incluindo fragmentos irrepetíveis de uma «autografia» e um original de Herberto Hélder). Mais um mesa-redonda e um conjunto de depoimentos notáveis sobre o tema jamais esgotável – e para sempre insolúvel – da tradução. E ainda dois textos, um de São Jerónimo e o outro de Benjamin, pronunciados a propósito do tema.

    Novidades

    Info.com

    O Portal Zone informa-me. ÚLTIMA HORA: Irmã de Oliveira libertada. Calculei logo os horrores pelos quais havia passado uma idosa irmã do realizador, ou a matrona nortenha de bigode, accionista minoritária da Olivedesportos. Afinal tratava-se da mana de um avançado brasileiro do Milan. Não o conhecia, mas admito que a sua existência seja vital para um grande número dos clientes da Optimus.

      Apontamentos

      Homem-borboleta

      a rapariga da lagarta

      Chamei alguém de caterpillar. Acontece que o alvejado, para além de ser de vez em quando uma pessoa um pouco agreste, é também um erudito. E explicou-me com toda a calma que aquilo que eu lhe queria chamar não resultava bem, como até aquele momento eu pensara, da sinédoque que em inglês aproxima a lagarta do tractor. Entre os aborígenes australianos – ou, pelo menos entre os que ainda confiam nos seus mitos mais ancestrais – caterpillars, disse, são aqueles que voluntariamente voam até aos céus para descobrirem o que existe para além da morte, regressando depois à Terra sob a forma de borboletas.

        Devaneios

        Blogues: (1) O eremita

        Blogging_1

        No princípio o blogger é um solitário. Escreve num registo antigo, vizinho dos velhos diários íntimos, mas destinado a ficar aberto sobre a mesa, a ser visto, a deixar-se devassar. Esta característica assegura a preservação daquele que permanece o tom dominante num grande número de blogues. Uma escrita confessional, pautada sempre pelos códigos do grupo, mais ou menos disseminado, mais ou menos irregular, visível ou invisível, ao qual o seu autor acredita dirigir-se. O blogger é, sob esta perspectiva, um eremita. Habita um ermo, mas com vista para a cidade e visto pela cidade.

        [Este é o primeiro de uma dúzia de «postas» que utilizei, de forma aleatória, durante uma conversa pública sobre blogues que teve lugar na livraria Almedina-Estádio, Coimbra. Surgem aqui com algumas (pequenas e pontuais) alterações.]

          Cibercultura, Etc.

          Ebulição

          Por razões que não sei explicar, um post que se encontrava mais abaixo, levianamente intitulado «That’s entertainment!», evaporou-se e levou sumiço. Com ele foram-se também os comentários de alguns leitores. Mistérios de um backup com o qual a WordPress me ameaçara horas antes. Por via das dúvidas, relembro que apontava ali para um texto de José Medeiros Ferreira sobre os motivos pelos quais este não assinou a declaração pública de alguns historiadores a propósito do concurso Grandes Portugueses. Ah, e declarava também a minha concordância com JMF.

            Apontamentos

            Simulacro e realidade

            Parece-me um tanto imoral a utilização recorrente, por parte das empresas de publicidade, de simulacros de notícias – entendendo-se aqui por «simulacro» esse «real», projectado por modelos sem origem na realidade, do qual falava Baudrillard – destinados a produzirem efeitos meramente comerciais. Para além de desviarem desnecessariamente a atenção das pessoas que se interessam pelo que acontece à sua volta, produzem um efeito de banalização que tenderá a depreciar, junto de um segmento significativo do público, o próprio valor do acto de noticiar. Se fosse jornalista, ou chefe de redacção, ou administrador de um grupo económico com interesses na área da comunicação social, preocupava-me um pouco com anúncios tão inócuos, mas apenas na aparência, como este sobre um tal Joaquim qualquer coisa, o «primeiro turista espacial português», que tem vindo a passar nas televisões.

              Sulfúreo

              Segundo Luis Bassegio, responsável por uma organização ligada à Confederação Nacional de Bispos do Brasil, deverá ser espalhado enxofre pelas áreas pisadas por George W. Bush durante a sua actual visita ao país, de modo a «exorcizar o diabo». O hiperactivo e sagaz Hugo Chávez já havia, aliás, relacionado Bush com o capeta: na Assembleia-Geral da ONU, o caudilho venezuelano declarou há algum tempo que a tribuna na qual discursava, utilizada pouco antes pelo presidente dos Estados Unidos, cheirava a enxofre. O mineral amarelado que, de acordo com as descrições bíblicas do Inferno e os sermões exaltados de uns quantos pregadores fundamentalistas, o diabo deixa ficar por onde passa. Sabe-se como a esquerda latino-americana é, em regra, profundamente maniqueísta. Mas torna-se difícil concebê-la assim, medieval.

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                Um estranho rosto da paz

                Ian Paisley

                Nos anos sessenta, a larga maioria das pessoas que, neste país, se importava com aquilo que acontecia para lá das fronteiras marítimas e terrestres – a oposição de esquerda, mais atenta e politizada – acompanhava o conflito na Irlanda do Norte tomando, sem pestanejar, o partido dos «bons» e dos pobres, que eram necessariamente «os católicos». É, aliás, interessante verificar hoje como a maior parte da imprensa portuguesa da época, indefectivelmente católica mas avessa, acima de tudo, à guerrilha urbana do IRA, tomava o partido dos «maus». Isto é, dos ricos «protestantes». Ninguém, de um lado ou do outro, falava então do rosto simpático do Sinn Féin. Como não se falava de um comportamento civilizado dos unionistas.

                De entre estes destacava-se, nas primeiras páginas, o perfil rude e colérico do reverendo Ian Paisley, hoje com 80 anos de idade e desde há décadas a voz mais conhecida dos partidários de um Ulster sob o domínio da coroa britânica. Paisley, o inflexível provocador, era, para a esquerda europeia, o arqui-vilão irlandês, a figura do demo em traje de pastor presbiterano, uma chaga na ilha de S. Patrício. Por este motivo, é ainda quase impossível, para muitas das pessoas que possuem uma «memória à esquerda» desse tempo, imaginá-lo agora como o chefe de um governo da Irlanda do Norte capaz de partilhar o poder com Gerry Adams, Martin McGuinness e os antigos «iristas» reconvertidos ao fato e à gravata. Mas parece que é isso mesmo que vai acontecer. Mudam-se os tempos e também as vontades.

                  Opinião

                  Boxe e badminton

                  No mesmo número do mesmo jornal da manhã. Vasco Pulido Valente, na sua reconhecida vertente Caterpillar, demole a RTP (que «sufocou, censurou e suprimiu o Portugal inconformista e moderno») e a sua festa do 50º aniversário («não devia comemorar, devia chorar».) Já Laurinda Alves, na consabida versão Aspilia foleacea que se lhe aceita, afaga a estação cinquentona («foi na RTP que comecei a trabalhar») e elogia a celebração (com «muitas pessoas muito comovidas»). É em momentos assim que dou valor ao facto de não ter de viver na República Democrática Popular da Coreia.

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                    Baudrillard

                    Baudrillard

                    Na morte de Jean Baudrillard (1929-2007), aquilo que de melhor sobre ele se poderá dizer talvez tenha sido resumido num parágrafo do Libération:

                    «Baudrillard era a própria curiosidade. Não falhava nada, nenhum livro, nenhum artigo, nenhum gesto, nenhuma paisagem, uma exposição, um filme, uma expressão num rosto, uma postura, um fato, um lenço, um logotipo, uma sombra, um ecrã de televisão, um candeeiro a gás, o asfalto molhado da chuva, uma peça de teatro, um conflito político, uma guerrra. Parecia errar, vagabundear num passo preguiçoso, roçar o olhar por tudo, sempre pronto a sorrir de tudo.»

                    Chama-se a isto viver, parece.

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                      A Torre de Tatlin

                      A Torre de Tatlin

                      Aço, cristal, ferro. Erguendo-se altiva, perturbante, como um manifesto, sobre a cidade de Pedro. A Torre desenhada pelo arquitecto Vladimir Tatlin – uma grande espiral circundando uma pirâmide, um cone e um cilindro rotativos e concebidos para alojar escritórios e salões – deveria ter representado, em 1919, um signo visível da modernidade soviética. E da actividade de um Comintern que, nesse tempo de socialismo primevo, se propunha ainda unificar «todos os meios disponíveis, inclusive armados, para derrubar a burguesia internacional e estabelecer uma República Soviética internacional como um passo transitório à completa abolição do Estado». Recém-instalada em Petrogrado, a futura Leninegrado, a IIIª Internacional detinha uma missão grandiosa e imprevisível que a Torre, de uma forma assombrosa, deveria projectar junto daqueles que a pudessem observar. Jamais foi construída. Como o não foi também a revolução mundial que então se anunciava aos céus e à terra. Em breve os tempos revelar-se-iam outros, menos propícios para magníficas quimeras.

                        Etc.

                        Costeando Kamchatka

                        Kamchatka

                        O velho professor de Geografia gostava imenso de gozar com a nossa ignorância fazendo-nos perguntas absurdas sobre formações geológicas, rios e linhas de costa situados para lá dos Urais. Por causa dele, fui seguindo com o dedo os mapas de um velho Atlas, procurando alguma bibliografia adequada e ganhando uma certa relação de proximidade com paragens ignotas para a maioria dos meus concidadãos. Tornei-me assim, com mais dois ou três colegas da turma, um quase-especialista em questões siberianas, com interesses que se estendiam até ao ao Círculo Polar Árctico e, descendo depois uns quantos milhares de quilómetros, à inóspita península de Kamchatka. Talvez por isso, tenho vindo a seguir, com enorme prazer, Polaris, uma expedição em linha de Eduardo Brito.

                          Etc.

                          Para antes de morrer

                          1001 Livros

                          Acaba de chegar às livrarias a tradução portuguesa de 1001 Livros para ler antes de morrer, de Peter Boxall. Esta edição, tal como outras que estão a aparecer em diversas línguas, surge corrigida – com alguns cortes e outras tantas adendas em relação à original – mas mantém a mesma intenção de propor «deveres de leitura» que poderão parecer um tanto «de almanaque» mas não deixarão de ter alguma utilidade. Neste caso, com o acréscimo de aqui se referirem as obras pelos títulos (e editoras) das suas edições em língua portuguesa, sempre que estas existam. De uma forma ligeiramente megalómana, declara-se na introdução que a lista apresentada «não procura ser um novo cânon», mas, já mais honestamente, que ela também «não pretende definir ou ser exaustiva acerca do romance» (assim mesmo, num português um tanto nebuloso que transparece aqui e ali). Trata-se, de facto, apenas de um conjunto de possibilidades a explorar. De um plano de hostilidades. Feitas as contas, das 1001 obras concluí haver lido 412. O que significa que me devo aplicar para atacar as outras 589 antes de passar para a banda de além. Ou então que devo manter na estante este volume peso-pesado e continuar a ler sem programa. Pensando bem, creio que será isso mesmo que irei fazer.

                            Uma verdade inconveniente

                            Uma das formas de censura mais perigosas e perversas é aquela que é feita com o consentimento dos próprios censurados. Não posso deixar de condenar a forma como um determinado jornal diário resolveu ver-se livre de uns quantos colaboradores regulares, deixando no ar a vaga possibilidade de, pontualmente, poder recorrer a eles. Mas incomoda-me igualmente a forma como estes, para não enfrentarem a direcção do jornal e perderem essa eventual possibilidade, ou então por um certo dever de lealdade, entenderam silenciar o facto. Compreendo-os e, para ser sincero, talvez tivesse feito a mesma coisa. Mas como neste caso não tenho obrigação alguma para com a ingratidão e a fraqueza de carácter, aqui fica o apontamento.

                            Nota posterior: Uma excepção a este «pacto de silêncio» foi expressa por Vítor Dias. Independentemente de me agradar ou não o registo que VD ali exprimia, não posso deixar de destacar a sua atitude.

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                              No ano dois

                              Outra noite

                              Um ano. Um ano inteiro a escutar os rumores mais surdos. Cruzando a cidade que apenas dorme. Os médios ligados revelando sombras. Sobrevivendo assim, quase incólume. Quase azul.

                              Pós-escrito – A todos quantos deixaram comentários de felicitações, citaram o pequeno evento nos seus blogues ou enviaram mensagens pessoais de ânimo e carinho, um sentido obrigado. Tentarei não os (as) deixar ficar mal.

                                Oficina

                                Estranho paraíso

                                Jewish

                                Durante as décadas de 1880-1890, um grande número de judeus lituanos, empurrados pela fome, mas principalmente pelos pogroms promovidos pelas autoridades czaristas, resolveu embarcar rumo a uma prometida e distante América. A partir da experiência do seu próprio avô materno, conta Stanley Price na sua autobiografia (Somewhere To Hang My Hat, publicada em Dublin no ano de 2002) que muitos desses judeus, aportados a Waterford, na Irlanda, acreditavam, levados pelo cansaço da viagem, pela ignorância das distâncias ou pela ânsia de lucro dos seus transportadores, que tinham chegado à terra que lhes havia sido prometida. Anos depois, uma grande parte deles, fechada ainda na comunidade de origem e tendo como única língua o yiddish, continuava a acreditar que vivia na América. E por ali ficou, julgando habitar um paraíso algo estranho.

                                  História