Noventa anos sobre o Holodomor

Estão, por estes dias, a ser lembrados os noventa anos volvidos sobre a ocorrência do genocídio do Holodomor. Refiro-me à morte pela fome ou através de execuções e de deportações assassinas, entre 1932 e 1933, de no mínimo 4 milhões de ucranianos – algumas estimativas mais ousadas chegam aos 12 milhões, incluindo-se aqui os fortes abalos na natalidade – sobretudo entre camponeses pobres e pequenos proprietários rurais (os kulaks), mas tocando também setores políticos e intelectuais.

Sabe-se hoje que as autoridades soviéticas, então já sob a responsabilidade máxima de Estaline, foram avisadas do que estava a passar-se em termos de desorganização da produção, mas entenderam que os camponeses deveriam ser forçados a cumprir as cotas do Plano Quinquenal para os cereais. Consideraram também que aquela atitude serviria, funcionando como forma de engenharia social, para simplificar o processo de coletivização forçada e de destruição completa da pequena propriedade rural, sobre a qual assentava a produção cerealífera ucraniana.

A historiografia internacional tem enfatizado os aspectos artificiais e intencionais desta terrível fome, tais como a rejeição por Moscovo da ajuda externa, o confisco pela força das armas de todos os alimentos domésticos, a restrição do movimento das populações para escaparem ao flagelo, para além da já referida imposição de entrega de cereais quando estes nem para suprir as necessidades básicas bastavam.

Adenda com um testemunho de Maria Chtyfuruk: «Dez, quinze pessoas morriam todos os dias. Levavam-nas numa carroça e atiravam-nas para uma vala e, no dia seguinte, recomeçava-se. As pessoas adormeciam e depois partiam… […] Aquele que não quisesse aderir ao kolkhoz era imediatamente chamado de kulak. Tu possuis uma parelha de cavalos, uma carroça, uma vaca? Então, vão-te deskulaquizar. O meu pai entregou ao kolkhoz os seus cavalos e a sua vaca. Depois, morreu de fome… Levaram tudo sem deixar nada em troca; deixaram as pessoas a morrer de fome. Destruíram as casas. Deportaram as pessoas para o Grande Norte ou a Sibéria; elas nunca mais voltaram. Só Deus sabe o que lhes aconteceu.» – Em artigo de Luís de Matos Ribeiro disponível aqui: https://www.academia.edu/1869830/Holodomor_O_Genoc%C3%ADdio_Ucraniano

Fotografia: Monumento às vítimas do Holodomor erguido em Kiev, Jarosław Góralczyk
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