O revelador regresso de Vorochilov

Nesta segunda-feira, 9 de maio, como acontece desde 2020, a cidade ucraniana de Lugansk, capital de uma das autoproclamadas repúblicas de maioria russa estabelecidas desde 2014 em território ucraniano por Vladimir Putin, voltará por um dia a chamar-se Vorochilovgrad, designação que já manteve entre 1935 e 1958 e depois entre 1970 e 1990. A designação homenageia o antigo marechal Kliment Vorochilov (1881-1969), nascido na Ucrânia e uma das mais sinistras e mortíferas figuras da história da União Soviética. Tendo sido desde cedo membro do Partido Bolchevique, quadro do Exército Vermelho e um dos poucos amigos próximos de Estaline, integrando o seu persistente núcleo duro de operacionais brutais, dos quais, além de Trotsky e de outros bolcheviques, o próprio Lenine manteve sempre distância. 

Com a afirmação triunfal do estalinismo no contexto do fim da Nova Política Económica e das transformações vividas na União Soviética a partir de 1928-1929, tornar-se-á um dos fiéis executantes das decisões arbitrárias do líder georgiano. Nesta qualidade, foi um dos principais responsáveis militares pela disseminação da Grande Fome na Ucrânia (Holodomor), provocada por uma política de coletivização forçada, de exigências incomportáveis no contexto do Primeiro Plano Quinquenal e de destruição deliberada do pequeno campesinato (kulaks), bem como da relativa autonomia ucraniana, que entre 1932 e 1933 provocou cerca de 5 milhões de mortos, impondo outros milhões de deportados. 

Foi também um dos coordenadores da Grande Purga, ou Grande Terror, que entre 1936 e 1938 envolveu operações de limpeza e deslocação contra minorias étnicas, um expurgo de militantes, muitos deles dedicados, do Partido Comunista, incluindo membros históricos do seu comité central e dos sovietes,  funcionários do governo e altas chefias do Exército Vermelho, bem como uma vigilância policial generalizada e agressiva que passou pelo lançamento de suspeitas contra supostos «sabotadores» e «contrarrevolucionários», tudo associado ao envio de largos milhões de homens e mulheres para os campos de trabalho e extermínio do Gulag, assim como a execuções arbitrárias. Os historiadores estimam o número total de mortes devido à repressão estalinista, apenas neste curto período de três anos, em cerca de 1.200.000 pessoas. 

Vorsochilov, por si, foi mesmo responsável direto por assinar milhares de ordens de execução individuais ou coletivas, mantendo lugares de destaque na hierarquia do Kremlin quase até à data da sua morte. É esta figura sinistra que alguns setores russos continuam a procurar homenagear, evidenciando-se deste modo algum do tipo de gente que está por detrás das atuais movimentações militares de Moscovo na Ucrânia. É legítimo calcular que os estalinistas, sejam os declarados ou os encobertos, que ainda existem por este mundo, inclusivamente aqui em Portugal, fiquem em estado de grande entusiasmo e esperança com esta celebração.

Rui Bebiano

Fotografia: Molotov, Estaline e Vorochilov em 1937. Versão retocada inserida em publicação oficial de 1940 editada na URSS.
    Democracia, Direitos Humanos, História, Olhares, Opinião.