Às tantas, aos poucos

Provos
Amsterdão-1967: provos no Vondel Park

Redigida por volta de 1685-1686, a Carta sobre a Tolerância foi publicada pela primeira vez em 1689, nessa mesma Holanda onde o seu autor, John Locke, procurara protecção. Nela se rejeitava terminantemente a ideia segundo a qual se poderia constranger alguém a crer, visando mostrar-lhe o verdadeiro caminho da salvação, e se defendia que as opções no campo do pensamento devem ser completamente indiferentes para as autoridades. Muito antes, durante as guerras de religião do século XVI, os Países Baixos tinham sido já uma ínsula de liberdade e de relativa paz numa Europa intransigente e a ferro e fogo. Aí encontraram refúgio milhares de judeus hispânicos e de protestantes de diferentes tendências, muitos deles a contas com os patíbulos do Santo Ofício se ali não tivessem buscado refúgio. Na década de 1960, Amesterdão transformou-se numa cidade plural e ali nasceram as primeiras comunidades contraculturais de jovens provos, aceites pelas autoridades apesar das suas posições radicalmente não-violentas e anti-sistema.

Pois é nesta mesma Holanda que uma força da extrema-direita nacionalista e xenófoba – o Partido para a Liberdade do Povo Holandês, de Geert de Wilders – acaba de ficar em segundo lugar no decurso das eleições para o Parlamento Europeu, admitindo-se já a possibilidade de vir a ganhar as próximas legislativas. No ponto em que estamos, a situação dá bastante que pensar e recoloca um velho problema que os políticos europeus têm feito por varrer para debaixo do tapete: será legítimo integrar no jogo democrático e na arquitectura do bem comum os grupos e organizações que se destinam precisamente a contestá-los? Precisaremos de vê-los no poder para acordarmos e fazermos algo mais do que piedosas reprimendas?

Adenda – Recebi entretanto um mail de um amigo português que conhece muitíssimo bem a Holanda e me diz que classificar o partido de Geert Wilders como «da extrema-direita e xenófobo» lhe parece «simplificar em demasia a realidade política e social holandesa». Junta ao que me diz um link para um texto de outrem que lhe parece ir ao encontro daquilo que ele próprio pensa. Esse texto pode ler-se aqui. Da minha parte, registo esta opinião, embora muita da informação que me chega às mãos pareça corroborar a leitura que fiz. Incompleta? É muito provável que sim. Por isso esta adenda.

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