O episódio húngaro em três momentos

Jornais e televisões nacionais destacam, do que aconteceu ontem, 15 de junho, em Budapeste, apenas a vitória portuguesa por três a zero – merecida, aliás – no jogo de futebol de onze disputado com a seleção local. Omitem em regra aspetos relevantes, justamente porque transcendem o caráter fortuito de uma partida de futebol.

1 – O estádio levava cerca de 60 mil pessoas e estava cheio, a larguíssima maioria composta por húngaros/as. Não se via a menor precaução relacionada com a Covid-19, mesmo sabendo-se que quem entrava deveria fazer um teste. Ninguém de máscara, pessoas coladas umas às outras, como se estivéssemos em 2019. Portugueses/as presentes, perto de cinco mil, entraram na mesma onda. Péssimo exemplo para o resto do mundo que a UEFA permitiu, assim contribuindo para liberalizar por todo o lado os cuidados a ter com a pandemia.

2 – Parte significativa do público, talvez cerca de um quinto, era composta por um numeroso grupo de pessoas vestidas de negro, quase exclusivamente homens, que se sabe pertencerem a um grupo de hooligans com ramificações europeias, fortemente penetrados por organizações de extrema-direita, nacionalistas, racistas e homofóbicas. Foram eles a apedrejar o autocarro da nossa seleção, como foi deles que partiram alguns insultos, inclusive para Cristiano Ronaldo, culpado de cuidar do corpo e, por isso, de não ser suficientemente «homem».

3 – É verdade que não existia uma campanha organizada para o efeito pelas federações nacionais, e até agora só duas das equipas presentes no Euro o fizeram, mas foi muito triste que Portugal, país democrático onde existem tantos jogadores de origem africana e pele negra – e ainda que eles não existissem – não tivesse aderido, no campo, à iniciativa internacional contra o racismo. Aliás, por cá, no pré-jogo, quase ninguém considerou essa possibilidade.

Destes aspetos, jornais e televisões praticamente não falam. Ou falam muito marginalmente. Porque «é política». Porque política e desporto «não se devem misturar». Para algumas cabeças parece existirem dimensões da vida coletiva que escapam à interferência direta ou indireta da política. Que não são política. Como numa expressão que escutava muito em criança, pessoas informadas que o defendem «ou são burras, ou fazem-se».

[Imagem: Reuters]

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