Guerra e paz na Palestina

Se existe conflito para o qual não parece existir fim à vista é aquele que no Médio-Oriente envolve Israel e a Palestina. Esta situação arrasta-se há tanto tempo, e com tão escassos e temporários resultados positivos, que a tendência dominante é para se olharem todas as tentativas de solução com profunda descrença. Considera-se por hábito que ali a violência, a opressão e a instabilidade, hoje protagonizadas sobretudo pelo governo militarista israelita, tenderão a eternizar-se, sendo uma hipotética solução de paz empurrada para um futuro tão distante quanto imprevisível. Como algo que poderá ocorrer apenas quando um confronto de proporções verdadeiramente bíblicas, ou então uma viragem mundial que altere a relação de forças na região, reduzirem o papel dos que de um lado e do outro adotam posições absolutamente inflexíveis e que excluem qualquer negociação honesta.

O franco-libanês Amin Malouf aludiu recentemente a quatro possíveis soluções. A primeira seria Israel entregar a Cisjordânia aos palestinianos e repatriar todos os colonos para a área definida em 1949. Porém, governo israelita que ordenasse a evacuação de centenas de milhares de cidadãos enfrentaria fatalmente uma brutal guerra civil. A segunda opção seria a construção de um Estado único, outorgando Israel a cidadania plena a todos os habitantes palestinianos, solução que anularia o caráter sionista e judaico de Israel, enquanto a evolução demográfica rapidamente faria dos palestinianos uma esmagadora maioria. A terceira opção, a mais impensável, seria a definitiva anexação de todos os territórios por Israel, expulsando os árabes, forçando-os a ações cada vez mais desesperadas e criando uma insustentável situação de «apartheid». 

Restaria então, como última das possibilidades enunciadas por Malouf, aquela que parece a mais fácil de adotar pelo governo de Israel, uma vez que não requer iniciativas novas ou particularmente ousadas. Consistiria em manter os territórios tal como estes de momento se encontram, sem alterar grandemente o seu estatuto, prolongando infinitamente a ocupação e os colonatos, com iniciativas internacionais de paz apenas pontuais e de simples cosmética. Sem mexer uma palha para que estas não passem de momentos de trégua. É este, de facto, o cenário sobre o qual diferentes formas de fanatismo presentes na região se têm oposto e convivido.

Amoz Oz, o escritor israelita que se bateu até ao final da vida por uma solução pacífica e equilibrada, falou desse fanatismo que fere os seus povos, «mais velho do que o Islão, do que o Cristianismo, do que o Judaísmo». Olhou-o como componente da natureza humana e da história, que na região tem feito com que os perseguidos se transformem em perseguidores, e com que povos massacrados possam fazer o mesmo a outros. «Não é uma luta entre o Bem e o Mal», lembrou Oz, «mas antes uma tragédia no sentido mais antigo e rigoroso do termo: um choque entre quem tem razão e quem tem razão, um choque entre uma reivindicação muito convincente, muito profunda, muito poderosa, e outra reivindicação muito diferente, mas não menos convincente, não menos poderosa, não menos humana». O confronto entre um povo a quem foi roubado o chão e a única pátria, e um outro que não tem mais lugar algum ao qual possa chamar um lar. 

Não existe equilíbrio na relação de forças – Israel dispõe de capacidade militar muito superior e tem desenvolvido uma política de conquista que torna inevitável a resistência armada, favorecendo os que do lado palestiniano rejeitam de todo a existência do Estado judaico –, mas é possível encontrar no longo curso uma simetria histórica, sem olhar à qual todas as expectativas resultarão goradas. Falamos seguramente de povos que em dado momento foram privados da liberdade, mas que também permanecem fiéis a identidades consistentes. Qualquer solução que vá além daquelas, todas falíveis, que Malouf apontou, passará por um integral respeito, local e global, pela convivência que aproxima e a diferença que distingue. Só sobre estas – não apenas sobre o estatuto simbólico de um palmo de terra e muito menos sobre o ódio – poderão fundar-se a paz e os direitos dos povos da região. Todos descendentes, afinal, do mesmo Abraão. 

Rui Bebiano

Fotografia: Bobby Overturf / Unsplash
Versão um pouco ampliada do artigo publicado no Diário As Beiras de 12/6/2021
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