Não há revoluções perfeitas

Não há revoluções perfeitas e ainda bem que assim é. As revoluções imperfeitas que procuraram fazer-se passar por perfeitas transformaram-se rapidamente em instrumentos de uma ordem social imposta, tendencialmente despótica, crescentemente violenta e opressiva, que de revolucionário manteve apenas o rótulo e a retórica. Aconteceu com todas aquelas que irromperam depois de deixarem amadurecer os «grandes princípios» e os programas que deveriam ser aplicados com mão de ferro após a vitória da nova ordem. Aconteceu como a francesa, a russa, a chinesa ou a iraniana. Por isso são sempre mais admiráveis as revoluções inacabadas, como a portuguesa, a checa ou a egípcia, que nasceram de princípios vagos e sem um programa claro, que apenas prepararam o terreno para uma mudança de longo curso, inevitavelmente complexa e contraditória, a percorrer em ziguezague, que só a realidade vivida poderia ou poderá ditar.

O que importa nas revoluções imperfeitas é pois o instante, o ponto de viragem, o momento de fuga em relação ao passado, a possibilidade de transformar, a consciência de se viver um tempo rigorosamente único de libertação colectiva de uma ordem injusta e indesejada. O que nelas conta é acima de tudo, e talvez exclusivamente, o voltar anárquico da página. Por isso, antes a projecção da esperança e a consciência da possibilidade da mudança – ainda que esta vá alterando os sentidos, e possa trazer consigo muita desilusão – do que o conformismo e a inacção perante as tiranias bloqueadas. Ou a expectativa de um sinal que mostre o momento ajustado para a tal revolução exemplar, feita com os aliados absolutamente certos e em nome da inquestionável «linha justa». É nisto que deveriam pensar um pouco os cépticos crónicos das revoluções desprogramadas, para quem, como na popular chula do Minho, «p’ra pior já basta assim». Estou a falar da Líbia, obviamente.

    Apontamentos, Atualidade, Opinião.