A natureza alemã

Produzir generalizações sobre as características comportamentais deste ou daquele povo, de uma determinada profissão ou dos adeptos de uma equipa de futebol, pode ser tão perigoso quanto divertido. Perigoso porque tipifica em excesso, aproximando quem se não acomode ao modelo da condição de pária, de excluído, ou, no mínimo, de ser um pouco estranho. Mas divertido para os maníacos da taxinomia, permitindo-lhes entreterem-se a acumular indícios capazes de confirmarem a identidade e a autonomia de cada espécie. Para estes, torna-se então fácil provar que as mulheres são frágeis, os negros indolentes, os japoneses trabalhadores, os judeus avarentos, os árabes negociantes espertos, os franceses obcecados por sexo, os espanhóis ruidosos, os italianos histriónicos, os ingleses fleumáticos ou os alemães ultra-organizados. Mas de todas estas caracterizações, talvez seja a última aquela que se aproxima mais de uma atitude social bastante disseminada. Claudio Magris relembra a propósito, em Danúbio, um plano secreto preparado para a tomada de Ulm, em 1701, por parte dos bávaros aliados de Luís XIV, alguns dos quais tinham por missão infiltrar-se na cidade disfarçados de camponeses, com a missão de abrirem as portas às suas tropas: «O tenente Baertelmann levará debaixo do braço um cordeiro; o sargento Kerbler, dois frangos, o tenente Habbach, vestido de mulher, levará na mão uma cesta de ovos (…)». Tudo prescrito e organizado ao pormenor, «à alemã», Deus lhes perdoe. Deus e as legiões de alemães desorganizados cuja existência excepcional contrariará sempre essa regra falível que os arruma a todos na categoria dos obsessivos-compulsivos.

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