Arquivo de Categorias: Recortes

Devaneios eleitorais

Santander

Uma bela ideia a do El País: a de intimar intelectuais originários de certas cidades, no contexto da campanha para as eleições autárquicas que se encontra a decorrer em Espanha, a declararem que coisas fariam eles se por impossível hipótese fossem eleitos alcaides. Não se trata de pedir que emitam propostas «razoáveis», mas sim de permitir que assumam a dimensão programática do seu próprio devaneio. Eis três fragmentos do testemunho da escritora Josefina Aldecoa (preservados num castelhano que sempre nos soa convenientemente estranho e um pouco mágico):

«Si yo fuera alcaldesa de Santander, cerraria sus entradas y obligaria a entrar desde el mar. La Isla de Mouro seria nuestra frontera. Los barcos llegarían llenos de gente y un edicto marcaría que navegaran de noche, cuando su belleza te impacta para siempre y te sobrecoge.

Mi despacho (…) lo instalaría en el Marítimo, rodeada de cartógrafos y navegantes que deseñarían nuevas rutas oceánicas entre Santander y los puertos más lejanos; rutas comerciales y exóticas al estilo veneciano que llenarían de visitantes la ciudad.

(…) Me responsabilizaría de regalar un cuadro de Eduardon Sanz a cada santanderino que viviera fuera, para que tuviera un trozo de mar y no lo olvidara nunca.»

    Olhares, Recortes

    Bon vieux B.

    Boris Vian

    «Dizer idiotices, por estes dias em que toda a gente reflecte profundamente, é a única forma de provar que temos um pensamento livre e independente.» Para lembrar que anda pelas livrarias Boris Vian por Boris Vian, uma compilação de aforismos – este de 1951 –, alguns deles conhecidos, outros dispersos por manuscritos avulsos, daquela pessoa que se fazia passar por um tal de Vernon Sullivan. Seleccionados por Noel Arnaud, traduzidos por Sarah Adamopoulos e editados pela senhora dona Fenda, convém que se diga. A conservar sobre a mesa de trabalho, numa prateleira acessível da despensa ou no porta-luvas do carro.

      Devaneios, Recortes

      Voz da resistência

      Carmen

      Em ambiente rarefeito de clube de gangsters, num pub irlandês do século passado, gingando suado entre tabacaleras. Com João Bénard da Costa na crónica do Público de hoje [visível aqui].

      «Um dia suprime-se a cabeça do profeta do Idomeneo, de Mozart. O outro, os cigarros da Carmen. Ainda fica muita coisa para nos entretermos: as fogueiras de O Trovador, que jamais serviram para acender cigarros, o túmulo da Aida, onde não consta que nem ela nem Radamés fumassem, o quarto onde Otelo estrangulou Desdémona e onde o perfume do lenço era o único odor que ambos respiravam.»

        Recortes

        Foot-ball

        Foot-ball

        «Para poder jogá-lo, é necessário ser são de coração e pulmões, ter pernas rijas, pé leve, resistência para uma a duas horas de campo, visão rápida e presença de espírito.

        Além de promover o desenvolvimento harmónico do corpo, é o foot-ball uma escola de coragem, de decisão, de consciência da própria responsabilidade, de disciplina, de solidariedade, de sacrifício até, em que a personalidade de cada um se apaga diante do interesse colectivo.

        (…) Além das vantagens directas ligadas aos exercícios físicos, provocam eles resultados indirectos do maior alcance, afastando a mocidade da frequência dos cafés, das casas de tavolagem e dos bordéis. É, em regra, nos cafés, respirando um ar viciado, que os rapazes se intoxicam pelo álcool, muitas vezes com uma inconsciência que assombra.»

        H. Teixeira Bastos, A Vida do Estudante de Coimbra (antiga e moderna), Coimbra, 1920

          Recortes

          Da decadência do Entrudo

          « – O Entrudo está perdido. Eu lembro-me que, sendo rapaz, houve tal Entrudo na minha rua, que por conta das peças que ali se fizerão, houverão vinte brigas e quatro mortes. Então havião homens de bigodes; porém, hoje, estes Peraltas, ainda que lhes botem três arrates de polvilho no topete, fazem uma cortesia, e vão andando seu caminho. Oh tempora! Oh mores!
          (…)
          – Pois eu lembro-me que em hum Entrudo gastei três arrobas de polvilhos e nove arrates de grangea; todos os vestidos ficaram perdidos, as alcatifas, os cortinados, e as cadeiras, nunca mais prestarão para nada. Eu andei toda a Quaresma com huma doença nos olhos, que me embaraçou de ir ver as Procissões. Ah, Senhores, muito me diverti aquelle Entrudo!»

          Comedia nova, intitulada O Entrudo desabuzado em Lisboa, Lisboa, off. de Domingos Gonsalves, 1783

            Recortes

            À mercê do medo

            Medo na cidade

            Desprovidos de panoramas do futuro, mas intimados a cada dia a definir mais e mais objectivos, sobrevivemos à mercê do medo.

            «O progresso, que foi outrora a mais extrema expressão de um optimismo radical, promessa de felicidade universal e eterna, cedeu o seu lugar ao pólo oposto, anti-utópico e fatalista, das previsões: hoje em dia, representa a ameaça de uma evolução impiedosa e inesquivável, que não pressagia paz nem tranquilidade, mas crises e tensões contínuas, ao mesmo tempo que nos não consente um momento de repouso; uma espécie de jogo de “quem vai ao ar, perde o lugar”, em que a mais pequena distracção implica uma derrota irreversível e a exclusão sem concessões. Em lugar das grandes esperanças e sonhos dourados, o progresso suscita noites de insónia, semeadas de pesadelos, em que nos vemos ficar para trás, perdemos o comboio ou nos atiramos da janela de um automóvel que, entretanto, acelera o andamento.»

            Zygmunt Bauman, «Em busca de refúgio na Caixa de Pandora» (in Confiança e Medo na Cidade)

              Recortes

              Da sabedoria 7

              Schopenhauer

              Schopenhauer, 1788–1860 (A Arte de Ser Feliz)

              «A nossa felicidade depende sempre daquilo que somos, da nossa individualidade, embora, na maioria das vezes, não tomemos em linha de conta senão o nosso destino e aquilo que possuímos. O destino pode ir-se melhorando, e a frugalidade não reclama dele grande coisa: mas um idiota não deixa de ser um idiota e um indivíduo grosseiro permanece sempre um indivíduo grosseiro, ainda que se veja rodeado de belas mulheres. Eis o motivo pelo qual, segundo Goethe, “a felicidade suprema é a personalidade”.

              Para falar com propriedade, aquilo que para ele é essencial, a verdadeira existência do homem, consiste manifestamente naquilo que acontece no seu interior, e que é o resultado daquilo que ele sente, vê ou pensa. Dentro do mesmo ambiente, cada um vive num mundo à parte, e os mesmos acontecimentos exteriores afectam cada um de maneira particular. A diferença que nasce destas disposições íntimas é maior do que aquela que as circunstâncias exteriores estabelecem entre diferentes seres humanos.

              De resto, de maneira imediata, cada um deve preocupar-se principalmente com as suas representações, as suas sensações, a expressão da sua vontade; as coisas exteriores não têm influência senão na medida em que as estimulam. Cada um vive, efectivamente, através das suas disposições íntimas, sendo elas que tornam a sua vida feliz ou infeliz.»

              Conclui-se aqui a tradução de alguns dos «Dez Textos Fundamentais da Sabedoria», enunciados no dossier «La Sagesse» publicado no Le Monde des Religions.

                Recortes

                Da sabedoria 6

                Montaigne

                Montaigne, 1533–1592 (Ensaios)

                «Não deverá surpreender, afirmou certa vez um antigo, que o acaso possa exercer tão grande influência sobre nós, uma vez que vivemos justamente do acaso. A quem não tenha dedicado toda a sua vida a um único objectivo, torna-se impossível dispor convenientemente das acções individuais. Quem não disponha de uma concepção única do todo jamais poderá ordenar rigorosamente as partes.

                Para que servirá afinal fornecer a alguém a paleta de todas as cores, se esse alguém não souber o que pintar? Ninguém será capaz de prever toda a sua vida e somos incapazes de viver de outra forma que não seja por parcelas. Afinal, o archeiro deve conhecer primeiramente o seu alvo e só depois acomodar a mão, o arco, a corda, a flecha e os movimentos.

                Nunca existirá um vento favorável para aquele que não sabe a que porto se dirigir. Somos todos apenas pedaços, e de uma textura tão informe e diversa que cada peça e cada movimento fazem o seu próprio jogo. Por isso encontramos, na relação com os outros, uma distância tão grande quanto aquela que os outros encontram na sua relação connosco.»

                  Recortes

                  Ano Novo de novo

                  Podemos, como sempre, repetir a receita de Carlos. Ou adiar. Só por mais um ano.

                  Para ganhar um ano-novo
                  que mereça este nome,
                  você, meu caro, tem de merecê-lo,
                  tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
                  mas tente, experimente, consciente.
                  É dentro de você que o Ano Novo
                  cochila e espera desde sempre
                  .

                    Recortes

                    Démodé

                    Loneliness

                    «Je suis d’un autre pays que le vôtre, d’un autre quartier, d’une autre solitude. Je m’invente aujourd’hui des chemins de traverse. Je ne suis plus de chez vous. J’attends des mutants.
                    […]
                    Le désespoir est une forme supérieure de la critique. Pour le moment, nous l’appellerons ‘bonheur’, les mots que vous employez n’étant plus ‘les mots’ mais une sorte de conduit à travers lesquels les analphabètes se font bonne conscience.»
                    Léo Ferré, La Solitude

                      Recortes

                      Da sabedoria 5

                      Epicteto

                      Epicteto, 55–135 (Manual)

                      «De todas as coisas, umas dependem de nós e outras não. Aquelas que dependem de nós são as nossas opiniões, os nossos movimentos, os nossos desejos, as nossas inclinações, os nossos ódios. Numa palavra, todas as nossas acções. Aquelas que não dependem de nós são o corpo, os bens materiais, a reputação, as honras. Numa palavra, tudo aquilo que não dependa das nossas acções.

                      As que dependem de nós são livres pela sua própria natureza, nada pode impedi-las ou impor-lhes um qualquer entrave. Aquelas que não dependem de nós permanecem frágeis, escravas, dependentes, sujeitas a mil obstáculos e inteiramente estranhas.

                      Lembra-te, pois, que se tomares como livres as coisas que são por natureza escravas, e como próprio de ti aquilo que dependa de outro, apenas encontrarás barreiras, sentir-te-ás permanentemente aflito, perturbado, e queixar-te-ás a todo o instante dos deuses e dos homens.

                      Ao invés, se acreditares ser teu apenas aquilo que é próprio da tua natureza, e estranho aquilo que pertença a outro, jamais te poderá alguém forçar a fazer o que não desejas, ou impedir-te de fazeres o que pretendas. Desta forma, não terás razões de queixa de ninguém, não acusarás quem quer que seja, nem mesmo que pela mais pequena coisa, pessoa alguma te fará mal, e não terás inimigos.»

                        Recortes

                        Solistício

                        De partida para a festa familiar e os comes do solistício (o meu não é de todas as culturas – é apenas meio-português – e exclui decididamente poemas à Virgem e ao Menino Jejuxe), leio no El País-em-papel de ontem uma crónica de Timothy Garton Ash. Só o título é um programa e um apelo à meditação diária: «Respeitar os crentes, não as crenças»:

                        «O ideal é que uma sociedade multicultural seja uma competição amistosa e aberta entre cristãos, sikhs, muçulmanos, judeus, ateus e até partidários do ‘dois mais dois igual a cinco’, para ver quem é capaz de melhor nos impressionar com o seu carácter e as suas boas obras.»

                        Não apenas hoje ou um dia destes. Mas hoje e sempre. Esta noite também, portanto.

                          Recortes

                          Da sabedoria 4

                          Epicuro

                          Epicuro, 341–270 a.n.e. (Carta a Meneceu sobre a Moral)

                          «O prazer é o começo e o termo de uma vida feliz. Com efeito, é ele que nós podemos reconhecer como o maior dos bens, conforme com a nossa natureza, é dele que partimos para determinar aquilo que é preciso escolher e o que devemos evitar, é a ele que, finalmente, recorremos quando nos servimos das sensações como uma das formas de apreciar todo o bem que se nos pode oferecer.

                          Ora, precisamente porque é o prazer o nosso principal bem inato, jamais deveremos procurar usufrui-lo na totalidade. Assim, existem casos nos quais nós renunciamos aos grandes prazeres se, para nós, deles resultarem o tédio e a preocupação. E poderemos mesmo considerar certas dores preferíveis aos prazeres sempre que, a partir dos sofrimentos que nos foram edurecendo ao longo dos anos, delas para nós puder resultar um prazer mais elevado.

                          Todo o prazer é assim, pela sua própria natureza, um bem. Mas prazer algum deverá ser procurado só por si. Paralelamente, a nossa dor é um mal, mas não deve ser evitada a qualquer preço.

                          Em qualquer caso, convém decidir sobre tudo isto comparando e examinando com atenção o que é útil ou nocivo, uma vez que, muitas vezes, agimos diante de um bem como se ele fosse um mal, e diante de um mal como se ele fosse um bem.»

                            Recortes

                            Da sabedoria 3

                            Mencius

                            Aristóteles, 384–322 a.n.e. (Ética a Nicómaco)

                            «Dado ser o espírito um atributo divino, uma existência de acordo com este espírito será, na sua relação com a vida humana, verdadeiramente divina. Não devemos, pois, escutar aqueles que nos aconselham, sob o pretexto de sermos homens, a não reflectir senão sobre as coisas humanas, e, sob o pretexto de que somos mortais, a renunciar às coisas imortais.

                            Contrariamente, devemos fazer todo o possível para nos tornarmos imortais e para vivermos de acordo com a melhor parte de nós mesmos, uma vez que o princípio divino, por mais pequena que possa ser a sua dimensão, se sobrepõe a tudo o mais, tanto pelo seu poder como pelo seu valor.

                            O mais próprio humano é, de facto, a vida espiritual, uma vez que o espírito constitui o essencial do homem. Uma tal vida é, por esse motivo, inteiramente ditosa.»

                              Recortes

                              Da sabedoria 2

                              Mencius

                              Meng Zhu, latinizado como Mencius, c.372-c.289 a.n.e. (Livro dos Livros)

                              «Todo o homem possui um coração que reage ao intolerável. Suponham que algumas pessoas vêem uma criança prestes a afogar-se num poço: elas terão todas uma reacção de medo e de empatia que não será motivada apenas pelo desejo de se manterem de boas relações com os pais dessa criança, pela vontade de adquirirem uma boa reputação junto dos seus vizinhos e amigos ou pelo incómodo que lhes possam causar os gritos que ela solta.

                              Parece pois que, sem um coração que se compadeça dos outros, não se é humano; da mesma forma, sem um coração capaz de determinar a vergonha de uma má acção, não se é humano; sem um coração marcado pela humildade e pelo respeito, não se é humano; sem um coração que distinga o verdadeiro do falso, não se é humano.

                              Um coração que se compadece é o germe do sentido do humano; um coração que reconhece a vergonha é o germe do sentido do justo; um coração capaz da humildade e do respeito é o germe do sentido do religioso; um coração que distingue o verdadeiro do falso é o germen do discernimento. O homem possui nele estes quatro germes, da mesma forma que possui os seus quatro membros.

                              Porém, possuir estes quatro germes e dizer-se incapaz de os desenvolver é fazer mal a si mesmo. E todo aquele que seja capaz de os desenvolver ao máximo será como o fogo que abrasa ou como a fonte que jorra. Seja ele capaz de os desenvolver e poderá ver-lhe confiados os destinos do mundo; mas se for incapaz, nem mesmo os nomes do seu pai e da sua mãe poderá honrar.»

                                Recortes

                                Da sabedoria 1

                                Buda
                                O número de Novembro-Dezembro do Le Monde des Religions integra um dossier sobre a construção de uma «espiritualidade laica» que emergiu, a partir da década de 1970, da decadência das ideologias de matriz política ou religiosa. Dele consta uma lista comentada e cronologicamente disposta de «dez textos fundamentais da sabedoria», acompanhada de fragmentos dos mesmos que me arrisco a traduzir. Capturando algumas pequenas pistas para um trajecto que poderá revelar-se luminoso. Ainda que longe do divino.

                                Buda, séc. VI a.n.e. (Cûla Mâlunkiya Sutta)

                                «Supõe tu, Mâlunkyaputta, que um homem tenha sido ferido por uma flecha fortemente envenenada. Os seus amigos e parentes chamam um cirurgião. E o homem diz: “Não deixarei que me retirem esta flecha sem primeiro saber quem me feriu: qual é a sua casta; qual é o seu nome, qual a sua família; se é grande, pequeno ou de média estatura; de que aldeia, vila ou cidade veio ele; não deixarei que me retirem esta flecha antes de saber com que espécie de arco me alvejaram; antes de saber que espécie corda foi usada nesse arco; antes de saber que pluma enfeitou a flecha; antes de saber de que material foi talhada a sua ponta.”

                                Mâlunkyaputta, este homem homem morreu sem saber aquelas coisas. Da mesma forma, se algum de nós disser “não seguirei uma vida virtuosa, na direcção do Bem-aventurado, sem que possua respostas a perguntas sobre se o universo é ou não eterno, etc.”, ele morrerá e esses problemas serão deixados sem resposta.

                                Qualquer que seja a opinião que possamos deter a respeito de tais questões, existem o nascimento, a velhice, a decrepitude, a morte, a infelicidade, as lamentações, a dor, a aflição, pelo que eu afirmo que deveremos ser capazes, nesta vida, de nem tudo pretender saber.»

                                  Recortes

                                  Amigos da Floribella

                                  Já passaram alguns dias desde que saiu, mas aponto ainda para a crónica de José Pacheco Pereira editada no Público de 30 de Novembro (e acessível aqui em versão revista). Falava ela dos «Sentimentos Misturados» que lhe parecia poder partilhar com Jorge Silva Melo. Sobre as franjas juvenis, urbanas e insatisfeitas que se movimentavam nos nossos anos 60 e das quais possui uma perspectiva que contrasta abertamente com o habitual discurso auto-celebratório dos seus sobreviventes: «Havia muita paranóia, mas, descontada toda a obsessão pela perseguição, sobrava um grão imenso de realidade violenta, bafienta, claustrofóbica, mesquinha e provinciana, que contaminava tudo».

                                  Por sobre esse cenário pairava, inabalável, a crença na capacidade salvífica do povo. Crença que hoje, sem dúvida, a ambos deixará cépticos: «os filhos dos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir, os filhos dos emigrantes de Champigny, os filhos da “canalha” anarco-sindicalista e faquista de Alcântara mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente». E, de novo, o desencanto: «Queríamos que “eles” tivessem voz e agora que a têm não gostamos de os ouvir (…) Queríamos que eles desejassem Shakespeare e eles querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho. E depois? Ou ficamos revoltados ou pedagogos tristes e ineficazes, ou uma mistura das duas coisas». A diferença, fica implícito, está na pertença a uma esquerda incapaz de o reconhecer. Ou que, quando o faz, tende a desculpabilizá-los dizendo que a culpa não é deles. Nem dela.

                                    Recortes