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O concurso e a responsabilidade dos historiadores

De acordo com os dados divulgados pela RTP, o total de votos «válidos recebidos» no concurso Grandes Portugueses foi de apenas 159.245. Destes, 41% foram para Salazar e 19,1% para Álvaro Cunhal, o segundo classificado. Porém, se contarmos os votos militantes – que poderiam ser exercidos, via SMS, pelo menos em triplicado ou quadruplicado –, os votantes efectivos não deverão ter excedido os cerca de 60.000. Desta forma, apenas umas 24.000 pessoas, no máximo, terão votado no antigo ditador. Como qualquer cidadão, independentemente da idade ou até da nacionalidade, poderia participar no escrutínio, o efectivo valor deste número será ainda mais residual. Aliás, o mesmo pode ser constatado de forma empírica: acredito que pouquíssimos conhecerão pessoalmente um verdadeiro salazarista. Assim, para quê tanto alarido com as repercussões do pobre espectáculo televisivo?

Convirá recordar que o impacto político do programa foi ampliado, em primeiro lugar, pela própria RTP1, sempre interessada em tornar concorrencial o seu produto, e também por muitos jornalistas e analistas, em busca de tema para os seus artigos e crónicas, ou empenhados numa reflexão sobre o que não deixou de ser um fenómeno curioso da cultura de massas. Mas o concurso foi também exageradamente dramatizado por alguns historiadores, que se viram confrontados com algumas das hesitações e perplexidades que têm atravessado a sua área de interesses. Anoto, de uma forma obrigatoriamente sumária, três problemas com as quais o conhecimento histórico se tem debatido e que me parece terem convergido neste particular contexto.

O primeiro deles prende-se com o abandono da narrativa literária, que durante séculos foi o suporte essencial da História. Iniciado pelos meados do século XVIII, este abandono seguiu a crença numa objectividade absoluta, numa «aproximação científica» ao passado, que foi acompanhada pela afirmação de um discurso cada vez mais «neutro» e descolorido. Este afastamento da narrativa acabou por cavar uma crescente clivagem entre a comunidade de historiadores profissionais e as sociedades envolventes. Neste contexto, a maioria dos cidadãos viu-se progressivamente excluída dos processos de compreensão da História, acentuando-se assim as possibilidades de apagamento ou de perversão do passado. A partir dos trabalhos de Hayden White, surgidos pelos meados da década de 1970, esta dimensão voltou a ser valorizada, mas ainda é olhada com alguma desconfiança por uma parte daqueles que do conhecimento do passado fazem a sua profissão.

O segundo problema situa-se no domínio das formas de recuperação da memória no processo de construção da História. Particularmente em relação à história de períodos mais recentes, cujos actores em grande parte se encontram ainda felizmente vivos, torna-se imprescindível a utilização da microbiografia e do testemunho oral enquanto instrumento complementar de conhecimento, uma vez que este introduz informação e um «sopro de vida» que pode ajudar a tornar a história mais completa, mais rica e, de certa forma, dotada de uma superior capacidade dramática, a qual é imprescindível no processo de comunicação. De outra forma, as novas gerações terão grande dificuldade em perceber a dimensão dinâmica do tempo que imediatamente as precedeu, tornando-se presa fácil de todo o tipo de interpretações.

O terceiro problema articula-se com a forma como a História e o historiador vivem, ou devem viver, a experiência da cidadania. Este não pode manter a veleidade de adoptar um discurso impoluto e «apolítico». Deve, naturalmente, pautar a sua actividade pelo rigor e por um esforço de imparcialidade, comparando diferentes informações e pontos de vista, mas não pode ter receio de questionar o passado a partir dos problemas que a experiência da cidadania coloca. Não levantar questões que podem ter uma incidência política conduz ao desaparecimento da capacidade crítica e à passividade perante as formas de reescrita e de branqueamento do vivido. A leitura «benévola» do salazarismo não pode ser desligada de uma abordagem que, de tão politicamente «distanciada», se tornou insípida.

Estes aspectos, tornados particularmente urgentes nas condições desta nossa época de uma comunicabilidade instantânea (a «modernidade líquida» de Zygmunt Bauman), dizem particularmente respeito à comunidade dos historiadores, uma vez que são eles quem – ao lado de Mnemósina, a memória, na sua infinita luta contra Lethos, o rio do esquecimento – tem em primeiro lugar o dever de impedir que o passado seja apagado ou reescrito. Muito para além do concurso televisivo, existe quem o procure fazer, e nunca será demais a maior vigilância. Quanto a este último, daqui por três ou quatro de meses já ninguém dele se lembrará. A não ser, talvez, alguns estudantes universitários, aos quais um professor possa sugerir o episódio como tema de exercício académico.

    Atualidade, História

    Os católicos contra a ditadura: a vez da voz

    Católicos contra

    Só recentemente se começaram a reconhecer de um modo sistemático as formas da oposição ao salazarismo organizadas à margem da actividade do Partido Comunista ou dos seus aliados tácticos e companheiros de jornada. A capacidade de organização e a tenacidade combativa dos comunistas, associadas às consequências da demonização que deles fazia o regime anterior, contribuíram em larga medida para fazer passar à condição de figurantes as outras formas e os outros espaços de resistência. Sem questionar a importância decisiva do PCP no combate contra a ditadura, é preciso reconhecer que se encontra ainda por estudar, por exemplo, a definição de uma «oposição cultural» crescentemente alargada e diversificada ao longo dos últimos vinte anos do Estado Novo, capaz de definir vivências e imaginários alternativos traduzíveis numa desafectação crescente de parte importante da juventude universitária e urbana, dos sectores artísticos e intelectuais e de muitos elementos das profissões liberais e da classe média. Por sua vez, a dissidência individual, inevitavelmente menos notória, permanece em larga medida por reconhecer, se exceptuarmos referências pontuais surgidas neste ou naquele obituário, ou então em homenagens públicas mais ou menos tardias.

    Os grupos organizados têm também permanecido quase na penumbra. A corrente socialista ainda não possui um estudo detalhado sobre a sua génese e desenvolvimento (um livro de Susana Martins constitui uma primeira tentativa). A esquerda radical só recentemente começou a ser objecto de estudo sistemático (principalmente com José Pacheco Pereira e Miguel Cardina), enquanto a actividade dos sectores católicos de oposição, apesar de recorrentemente mencionados e hoje publicamente «representados» na intensa acção cívica de muitos dos seus antigos activistas, continua por conhecer. Se exceptuarmos alguns textos de António Alçada Baptista e de João Bénard da Costa, a importância deste grupo tem sido recordada apenas em evocações episódicas, por vezes de pendor algo nostálgico, como aconteceu na comemoração dos quarenta anos da fundação da revista O Tempo e o Modo.

    Um contributo novo e relevante para alterar este estado de coisas acaba, entretanto, de ser proporcionado por Joana Lopes, autora de Entre as brumas da memória. Os católicos portugueses e a ditadura, publicado pela Ambar. [continua em Passado/Presente]

      História, Memória

      Antifascistas

      L'Affiche Rouge
      L’Affiche Rouge

      Um post de Tiago Barbosa Ribeiro sobre a caracterização do «fascismo português», ao qual respondeu João Tunes alargando-se depois a discussão, fez regressar uma polémica que não é tão velha quanto a nossa democracia: é mais velha do que ela, pois vem do próprio pré-Abril. A oposição ao regime nunca se entendeu verdadeiramente a propósito da essência deste, e o labéu de fascismo passou a servir para designar uma ordem que foi «coisas diversas» entre 1926 e 1974. Neste sentido, e sem querer servir aqui de mero «conciliador» – serei suspeito, pois prezo os dois envolvidos – acredito sinceramente que ambos têm razão. Dito de outra forma: com TBR aceito que a experiência autoritária do salazarismo nunca teve a configuração heróica, popular, razoavelmente laica e essencialmente urbana do fascismo italiano (JT também não o negou); com JT reconheço a identificação de numerosos traços do regime, particularmente salientes a partir de 1933, que o aproximam das marcas comuns às diversas «quimeras fascistas», naquilo que de mais radical (e de sórdido, já agora) elas detiveram (TBR também não contestou esta ligação). Uma boa aproximação a esta «unidade na diversidade», capaz de temperar tipologias demasiado lineares, pode ser obtida na leitura de um livro recente mas que, por razões obscuras (mil páginas de texto cerrado também não ajudam a crítica…), tem permanecido na penumbra: Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta, de João Bernardo (Afrontamento, 2003).

      Em 1976, em O Fascismo Nunca Existiu, livro que gerou imediata polémica apenas porque um certo número de pessoas levou à letra a frase que lhe servia de título, Eduardo Lourenço esclareceu que o regime recém-derrubado poderia «entrar, como outros similares, nessa necrópole histórica etiquetada de fascismo». Julgo ser por aqui que, de alguma forma, se pode encontrar uma justa medida para começar a resolver, sem preconceitos, este aparentemente irresolúvel imbróglio. Para a memória histórica das gerações futuras, como para aqueles que viveram a resistência aos diversos regimes de «tipo fascista», o fascismo perderá a sua referência ancorada num determinado modelo – o italiano, talvez, mas porque não o alemão? (pois que coisa será afinal o nazismo?) – e designará aquela época longa, interminável, de noite e de nevoeiro, no qual as botas ferradas e os cânticos em louvor do Chefe e da Nação, tiveram como única resposta possível uma luta tenaz, constante, corajosa, pronunciada em diversas línguas, pela utopia da liberdade. Todos eles – e poderíamos começar a fazer as contas pelos milicianos e pelos brigadistas da Guerra Civil de Espanha – foram acima de tudo, e independentemente dos cartões partidários (ou da ausência deles), antifascistas. Em Portugal foram muitos, muitos milhares. Contra quê?

        História

        Estranho paraíso

        Jewish

        Durante as décadas de 1880-1890, um grande número de judeus lituanos, empurrados pela fome, mas principalmente pelos pogroms promovidos pelas autoridades czaristas, resolveu embarcar rumo a uma prometida e distante América. A partir da experiência do seu próprio avô materno, conta Stanley Price na sua autobiografia (Somewhere To Hang My Hat, publicada em Dublin no ano de 2002) que muitos desses judeus, aportados a Waterford, na Irlanda, acreditavam, levados pelo cansaço da viagem, pela ignorância das distâncias ou pela ânsia de lucro dos seus transportadores, que tinham chegado à terra que lhes havia sido prometida. Anos depois, uma grande parte deles, fechada ainda na comunidade de origem e tendo como única língua o yiddish, continuava a acreditar que vivia na América. E por ali ficou, julgando habitar um paraíso algo estranho.

          História

          A preto e branco e às cores

          Alexandre O'Neill

          Podemos detectar, do imediato pós-Abril à actualidade, uma certa tendência para desenhar o Estado Novo a preto e branco. Os principais e quase sempre involuntários responsáveis por este estado de coisas são muitos dos que lhe sobreviveram e que dele nos vão legando uma memória selectiva. Fixam-se principalmente na evocação dos momentos mais sonoros, ou mais dramáticos, ou mais difíceis, capazes de terem deixado um inequívoco legado na vida colectiva. Ou então na experiência individual, mas de acordo com esse processo de depuração do passado que ocorre sempre que cada um de nós ascende do pessoal, e único, ao domínio das generalizações encaixadas na forma de máximo denominador comum. E rejeitam tudo o resto. Alguns historiadores incorrem no mesmo lapso, ao aceitarem apenas a leitura do salazarismo construída na tradição da esquerda – da mais à menos ortodoxa – que muitas vezes procurou integrar a investigação em interpretações que a antecediam. O mesmo, aliás, se passou com a historiografia conotada com a direita, a qual avalia a democracia saída da «revolução dos cravos» como um tempo de decadência e a época que a antecedeu como essencialmente gloriosa.

          No entanto, à medida que o reconhecimento daquele período aperta a sua angular, que se ensaiam sucessivos estudos de caso, que se registam histórias de vida, ambientes, práticas e gestos que não constam das publicações sobre o período centradas na vida das elites, nem dos manuais oficiais que ensinam o salazarismo às crianças – e aqui são absolutamente centrais o testemunho oral, a correspondência privada, os arquivos individuais –, pode perceber-se que algo mais acontecia. E a época ganha outra vida. E outra cor. É essa a impressão mais vivida com que fiquei da leitura do excelente Alexandre O’Neill. Uma Biografia Literária (e pessoal) escrita por Maria Antónia Oliveira. O «Sr. Nildo», comedor voraz, fumador compulsivo, frequentador de tascas, amante de muitas mulheres e enorme poeta (praticamente desemparelhado, à época), cruza ali, com os seus amigos ou com parceiros de momento, um universo de profanação do «pequeno Portugal», de provocação do «português suave». E a experiência da boémia enquanto processo de resistência. Parte significativa de uma forma de oposição não alinhada, situada fora da vida e da luta das classes populares, «pequeno-burguesa» se se quiser – mas propedêutica da queda do regime –, que tem sido quase ignorada, e cujo eco, em larga medida apoiado em textos inéditos e testemunhos pessoais, se pode encontrar neste livro.

            História

            Almanaque

            Leitura Furiosa

            De fio a pavio. A expressão caiu em desuso, mas foi assim – no todo e a fundo, com muita surpresa e algum entusiasmo – que, durante duas semanas de um Agosto do princípio deste século, li de enfiada os dezoito números (e um suplemento) da revista Almanaque que saíram entre Outubro de 59 e Maio de 61. A nota de abertura do primeiro número não enganava:

            «Este Almanaque (…) vem ao gosto moderno, segundo a linha 1959, trata por tu o teatro de Beckett e Ionesco, os escritores da Beat Generation, os Pat Boone ou os Georges Brassens, os íntimos de Françoise Hardy e as verdadeiras causas do caso Pasternak. Só não conhece os segredos dos painéis de Nuno Gonçalves, mas há-de chegar lá um dia.»

            No número 2, o tom mantinha-se, sublinhando-se a intenção de contrariar o salazarista «viver habitualmente» e olhar o mundo para além dos monótonos postos fronteiriços de Quintanilha ou Vilar Formoso:

            «Bem se ralavam os nossos trisavós com terem ou não terem morrido mil pessoas nas inundações da Manchúria ou ter mudado de coronel a presidência da Bolívia. Nós não. Logo de manhã começamos a preocupar-nos com coisas que rigorosamente não nos dizem respeito. Que o Sultão de Alahabar tem trezentas mulheres, que em Munique uma velha bebeu por aposta cem litros de cerveja e morreu. E temos pena do Sultão, e temos inveja da velha.»

            «O programa da revista era simples» – dirá José Cardoso Pires, um dos seus fundadores, em entrevista ao Século Ilustrado – procurando-se principalmente «ridicularizar os provincianismos, cosmopolitizados ou não, sacudir os bonzos contentinhos e demonstrar que a austeridade é a capa do medo e da falta de imaginação». O anseio de universal que transparecia das páginas da revista – com uma profusão de temas e citações e uma ousadia gráfica que chegaram a ser tomadas, à esquerda e à direita, como expressão de afectação – não se limitava pois a vagas intenções, distribuindo-se por secções e artigos nos quais era uma constante a aproximação a outras realidades e maneiras de estar no mundo. Reportagens mensais sobre países e povos considerados exóticos (Afeganistão, Israel, Saara, Pérsia, Polónia, os índios americanos, os esquimós), artigos sobre a forma como se divertiam os habitantes de Londres, Tóquio ou Nova Iorque, pequenos textos sobre filósofos ou rockers contemporâneos (sem grande distinção formal entre as duas categorias de gente), uma secção («As latitudes da felicidade») que procurava fazer um retrato da psicologia e das formas de vida das jovens mulheres da Suécia, de Inglaterra, dos Estados Unidos, da Alemanha, de França ou da Itália.

            E ainda, tal como um verdadeiro almanaque – lembra-o agora Maria Antónia Oliveira num passo da recentíssima biografia literária de Alexandre O’Neill (outro dos fundadores, ao qual se devem juntar, para além de Cardoso Pires, Luís de Sttau Monteiro, Augusto Abelaira, José Cutileiro, João Abel Manta, Baptista-Bastos e o jovem Vasco Pulido Valente) –, com «muitas fotos, desenhos, artigos frívolos, astrologia, receitas, anedotas, artigos sobre actores de cinema, curiosidades, críticas de discos e de filmes, floricultura» e outras prosas consideradas mais sérias. Uma «espécie de magazine» bastante enviesado, num tempo em que eles eram mais que raros e absolutamente necessários.

            Publicado originalmente em Passado/Presente
            Fotografia de Eduardo Gageiro, retirada de um dos números da Almanaque

              História

              A voz do silêncio

              Budapeste
              Memorial ao Holocausto em Budapeste

              No epílogo a Pós-Guerra, o seu grande livro sobre a história da Europa a partir de 1945 (Edições 70, 2006), Tony Judt revolve as últimas décadas da nossa vida comum para sublinhar que a reconstrução se fez caminhando sobre as cinzas do Holocausto. Nos anos que se seguiram à derrota do nazismo e à percepção da dimensão do genocídio cometido sobre os judeus europeus, o silêncio tornou-se a atitude corrente. Havia muito para esquecer e a evocação da experiência dos deportados ou dos sobreviventes dos campos de concentração transformara-se rapidamente em qualquer coisa de incómodo, que convinha arrumar com discursos de circunstância e meia dúzia de lápides em mármore. Até porque, durante a guerra, se tinham desenvolvido teias de cumplicidade e de conivência com as perseguições, as quais conviria pôr de lado. Além disso, muitos dos honestos cidadãos dos países ocupados pelos nazis – como a Holanda ou a Polónia – haviam tomado conta das propriedades dos judeus em fuga ou desaparecidos, não tendo vontade alguma de as devolver aos legítimos proprietários ou aos seus herdeiros. De leste a oeste, de facto, o anti-semitismo continuou instalado por muito tempo, sendo o silenciamento uma das suas armas.

              A informação à qual acedemos hoje, é preciso que se diga, não estava disponível, ou pelo menos não era divulgada de uma forma tão eficaz quanto o foi mais recentemente, e foram precisos acontecimentos como a Guerra israelo-árabe dos Seis Dias, em 1967, o assassínio de atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, e, principalmente, a partir de 1978, o impacto mundial da série televisiva «O Holocausto», para que o «problema judaico» ganhasse uma nova visibilidade. Colocando-se as coisas no seu devido lugar, a caça aos criminosos nazis desencadeada em 1947 pelo grupo de Simon Wiesenthal deve ser entendida como uma resposta a esse clima de impunidade que viria a permitir, menos de vinte anos mais tarde, que na própria Alemanha «desnazificada» antigos nazis como Kurt Kiesinger e Heinrich Lübke, tivessem chegado, respectivamente, a chanceler e a presidente da república.

              Talvez por este motivo se possa tornar preocupante a forma como a generalidade dos meios de comunicação a ocidente, muitos dos herdeiros políticos do antifascismo e até uma boa parte do universo académico, têm aceitado, com relativa indiferença, os tenebrosos esforços de revisionismo histórico patrocinados pelo actual governo do Irão, no sentido de negar a dimensão do Holocausto e de transformar os herdeiros das suas «putativas» vítimas – os judeus, qualquer judeu que defenda a sua identidade étnica e histórica – em terríficos algozes. A crítica dos processos de instrumentalização do passado continua a confrontar-se com a voz do silêncio.

              Publicado originalmente em Passado/Presente e no Diário As Beiras

                História

                Passados ausentes

                Não é nada saudável viver uma realidade que do passado apenas recolhe as referências mais assépticas e manipuláveis. Aquelas capazes de ilustrarem consensuais mitos fundadores, ou então de servirem de mote para actividades que qualquer autarquia gosta de apoiar para relevar o património, assim relevando também a sua própria existência. Ou ainda, como acontece tantas vezes, para incentivar o espírito de paróquia. A importante intervenção do movimento cívico «Não Apaguem a Memória!» contraria esta tendência, chamando a atenção para um lastro de combate e de resistência que marcou o nosso passado recente e sem o qual, muito provavelmente, não conheceríamos há mais de trinta anos esta democracia incompleta mas benévola. Um passado que uma geração mais recente de políticos dos mais diversos escalões, e outros mediadores de opinião consciente ou inconscientemente «desmemoriados», tem feito por esquecer. Como se nada lhe devesse. Não parece saudável, porém, reduzir essa luta pela preservação da memória aos espaços, aos eventos ou às pessoas que lhe foram definindo as matrizes dominantes, deixando de lado aqueles, malditos ou minoritários, que à esquerda ou à direita têm permanecido omissos dentro das diversas «histórias oficiais». O que José Pacheco Pereira (de novo) relembrou hoje no Público.

                  História

                  50 anos depois de Budapeste

                  Budapeste/56

                  O evento que determina toda a sequência do «breve século XX» é, para Hobsbawm, a Revolução Soviética. O assalto ao Palácio de Inverno, em 1917, e a queda do Muro de Berlim, em 1989, como princípio e termo de uma experiência de poder – e também, acrescento seguindo Furet, da ilusão que ela alimentou – teriam balizado o período. Mas pode dizer-se que este começou a ser arrasado antes mesmo da sua construção, em 1961. A data de arranque dessa demolição avant la lettre terá sido 23 de Outubro de 1956, quando os tanques soviéticos entraram em Budapeste e puseram termo à Revolução Húngara. O movimento havia trazido para a rua um grande número de estudantes, intelectuais e operários apoiantes de um programa de democratização e de distanciamento em relação à União Soviética, destinado também a liquidar o regime de partido único e a levar ao poder o comunista reformador Imre Nagy.

                  A experiência chefiada por Nagy acabou lavada em sangue – o de muitos milhares de húngaros e o dele próprio, preso após haver recebido um salvo-conduto e executado na sequência de um julgamento similar ao dos processos de Moscovo –, provocando clivagens dentro do movimento comunista internacional e, principalmente, no interior do universo muito particular dos compagnons de route dos partidos comunistas ocidentais. Jean-Paul Sartre, Edgar Morin, Pierre Emmanuel ou Italo Calvino foram apenas alguns deles. Sartre assume a ruptura falando do horror que passara a sentir pelas iniciativas da «fracção dirigente da burocracia soviética».

                  No annus mirabilis de 1968, a invasão da Checoslováquia e o termo da Primavera de Praga e da experiência de Dubcek com o seu «socialismo de rosto humano», apesar de menos brutais, definiram essa incapacidade de regeneração por parte dos governos comunistas no poder, determinando um crescente isolamento internacional e a resistência, surda ou efectiva, de uma parte crescente das sociedades que controlavam. A erupção de 1989 terá marcado o termo dessa viagem dolorosa inaugurada em 1956.

                    História

                    A outra revolução

                    Marilyn
                    Pulido Valente insistiu hoje, a contracorrente, numa realidade para a qual tenho procurado chamar a atenção (veja-se O Poder da Imaginação – Juventude, Rebeldia e Resistência nos Anos 60, ed. Angelus Novus). A experiência daquilo que genericamente se tem convencionado chamar «os anos 60» – vividos num raio temporal de perto de duas décadas e, de uma forma gradual, em praticamente todo o planeta – definiu-se muito mais pela afirmação da juventude enquanto grupo social portador de um padrão de vida autónomo, pelo fulgor da nova cultura popular, por uma intensa abertura no campo da moral (incluindo a construção de uma sexualidade renovada), por uma atitude estética própria e omnipresente, pela emergência dos movimentos sociais de um tipo novo, pela afirmação de um modelo de sociedade de natureza anti-disciplinar, do que pela proeminência nos processos de mudança das organizações políticas da esquerda. Estas encontravam-se a viver um impasse histórico, do qual o radicalismo constituía uma das vertentes, e a ortodoxia, principalmente a pró-soviética, a outra. O «eurocomunismo» não era, como havia já na altura quem o apontasse, senão um passo envergonhado, rumo ao que será mais tarde designado como uma «terceira via» entre o liberalismo e a social-democracia. A direita, essa demarcava-se maniacamente de toda e qualquer mudança no seu quadro tradicional de valores.

                    Em Portugal, foi esse também o género de transformação – tardia em relação aos países mais industrializados e a algumas das suas áreas periféricas, mas muito marcada pelo rápido declínio do Estado Novo e pelas pesadas sequelas da guerra colonial – que, de forma particularmente intensa, preparou um clima de rejeição geracional e de afastamento da classe média em crescimento. Devido à inflexibilidade do regime, este só poderia ter terminado como de facto terminou: com um «25 de Abril». A oposição, coagida pela censura e pela polícia política, e por vezes tolhida pelo dogma que incitava o sectarismo, fez aquilo que foi capaz de fazer para combater o poder instalado. E, sublinhe-se, não fez nada pouco. Só que, para um sector cada vez alargado de cidadãos – quase silencioso por vezes, mas profundo e dinâmico, sem dúvida, no divórcio crescente em relação à ordem estabelecida e nos processos de desafectação diante dos padrões de vida que aquela continuava a requerer – os factores preponderantes não foram, de facto, aqueles que uma certa memória da esquerda, e alguma historiografia que com esta tem vindo a colaborar, habitualmente propõem.

                    Simplificando um pouco, embora sem fugir ao essencial: na última década do regime, I Can’t Get No (Satisfaction) e The Times They Are A-Changin’ fizeram mais, e sobretudo de forma mais profunda e duradoura, para abalar a ordem vigente, do que o fizeram, nessa mesma altura, a Canção dos Barqueiros do Volga ou a Bandiera Rossa; o cinema de Antonioni ou de Godard fez bem mais do que o de Eisenstein ou até o de Rossellini; a leitura do Salut les Copains! e do Comércio do Funchal, mais, ou pelo menos com maior intensidade, do que a da generalidade da imprensa periódica clandestina; os livros de Kerouac e de Sartre mais do que os de Cholokov ou de Lenine; o impacto de 1968 mais do que o que chegou de 1917; o festival de Woodstock mais do que a festa de L’Humanité; mesmo a Marilyn de Wahrol talvez mais (talvez) do que a Guernica de Picasso. Situa-se na percepção deste conflito e desta mudança, sobretudo no que respeita aos ambientes urbanos da Europa central e ocidental, a possibilidade de uma compreensão mais completa da rápida queda das democracias musculadas (o gaullismo, por exemplo). Ou, como aconteceu connosco, do fim das ditaduras arcaicas e desse pequeno mundo protegido, simbolicamente representado nas cerimónias lúgubres do 10 de Junho, dentro do qual a sua cada vez mais limitada e estéril base social de apoio ainda acreditava habitar.

                      História

                      [Figuras Exemplares] Os bons piratas

                      O pirata menos bem sucedido da história terá sido provavelmente Edward England, cujas repetidas atitudes de generosidade no sentido de poupar as vidas dos prisioneiros fez com que os seus próprios homens se revoltassem contra ele e o abandonassem numa ilha deserta. Mas é possível encontrar vestígios de outros «bons piratas», como é o caso do singular capitão Mission, marinheiro libertário que no tempo de Luís XIV comandou o navio La Victoire. Gilles Lapouge, considera a vida naquele barco como «um comício ininterrupto» e Larry Law descreve alguns dos seus costumes. Assim, se capturavam negros, os seus tripulantes não só tinham de os libertar como eram forçados a ouvir um longo discurso sobre a igualdade das raças. Se por azar matavam em combate o capitão de um navio inglês, guardavam-lhe o corpo até chegarem a terra e enterravam-no com um piedoso sermão sobre a não violência. Quando os marinheiros se embebedavam, Mission fazia-lhes sempre uma prédica sobre as virtudes da temperança. E, para cúmulo da desonra pirata, terá substituído a bandeira negra por um pavilhão branco com a inscrição «Deus e Liberdade». O capitão Johnson tê-lo-á incorporado na lenda com a sua História Geral dos Piratas, durante muito tempo atribuída a Daniel Defoe, e de que a Cavalo de Ferro editou já o 1º volume (de Mission falar-se-á apenas no 2º). Uma leitura apropriada para este tempo de mar e praia.

                      Mais dados sobre estas nobres pessoas e sobre muitos dos seus correligionários de sentimentos menos maleáveis no excelente O Grande Livro da Pirataria e do Corso, de Luís R. Guerreiro.

                        História

                        [Figuras Exemplares] Turpin, «O Rei da Estrada»

                        Dick Turpin
                        Entre as múltiplas proezas de Dick Turpin (1706-39) contavam-se o contrabando, o assalto a residências de particulares, o assassinato e o roubo de cavalos, mas foi principalmente como ladrão de estrada que se tornou conhecido e temido. A vida criminosa começou-a no seu Essex natal, onde viveu durante alguns anos como talhante, aparentemente respeitável mas de facto especializado no comércio de carne roubada. Descoberto, fez-se ao caminho, e, a partir de 1735, passou, na companhia de Tom King, a assaltar quem passasse desprevenido pelas estradas despovoadas e perigosas da região de Londres. Acabará por ser preso alguns anos e muitos crimes depois, terminando a vida numa forca erguida uma manhã na cidade de York.

                        Muito mais notável foi, porém, a imagem popular que em volta da sua lenda foi sendo construída. Iniciada logo em 1739 com o folheto de cordel Life of Richard Turpin, foi definitivamente estabelecida a partir da publicação de Rookwood (1834), uma novela de Harrison Ainsworth. Aqui as façanhas de Turpin apareceram largamente romantizadas, e o seu trajecto metamorfoseado na saga, cantada em baladas, de um bandido bom e injustiçado que roubava os odiados ricos e deixava os infelizes pobres seguirem em paz o seu destino. A banda desenhada chegou mesmo a dar-lhe um aspecto galante, ataviado de capa, sobrecasaca, espada e uma inseparável máscara. Mais um herói popular na boa tradição dos desordeiros ardilosos e vingadores.

                          História

                          Coisa de argentinos?

                          Ainda o Che
                          Há poucos meses, a partir de um apontamento de Valter Hugo Mãe no blogue Da Literatura, falou-se do «mito de Che Guevara». Volto ao assunto por causa da edição nacional de Che Guevara. Do mito ao homem. Livro escrito por outro argentino, Miguel Benasayag, de passado guerrilheiro, hoje psicanalista e filósofo, co-autor do manifesto da Red de Resistencia Alternativa, que oferece uma reflexão estimulante sobre o lugar histórico e simbólico ocupado pela figura e pelas iniciativas do memorável Ernesto.

                          Não se trata de uma biografia – para isso temos a excelente obra de Pierre Kalfon, e, um pouco mais comprometida, a de Paco Ignacio Taibo II – nem de mais uma daquelas hagiografias que o governo de Havana faculta aos turistas ou que qualquer um de nós pode comprar na festa do Avante! Também não procura responder ao perverso fenómeno de moda que, entre t-shirts, posters, tatuagens e baralhos de cartas, volta a inscrever-se, quase universalmente, em praças, desfiles e residências de estudantes. Trata-se antes de uma reflexão, pessoal e positiva, sobre o guevarismo que sobreviveu a Guevara, tratando a personagem do Che «simultaneamente enquanto homem e enquanto imagem, ou seja, na sua dimensão mítica».

                          Partindo do princípio segundo o qual o guevarismo foi, desde o início, «uma maneira muito especial de fazer política, e de desenvolver o laço social porque (…) foi estabelecido sobre o princípio do contra-poder», este livro recupera, mas ao mesmo tempo supera, os episódios meramente biográficos do médico-guerrilheiro. Tudo isto sempre dentro de um território, e Banasayag vinca-o com especial cuidado, povoado pelos que desejam escapar «a este mundo do economicismo e das sociedades de disciplina onde reinam as paixões tristes», mas que integra tanto «a crítica severa da sociedade disciplinada e ordenada composta por indivíduos isolados e egoístas» como a oposição feroz «ao colectivismo, essa outra modalidade social, também construída e ordenada por indivíduos bem disciplinados». Aqui residiria aliás, em correlação com a discordância perante a dependência do modelo soviético, a origem do historicamente inegável – embora sistematicamente negado – distanciamento de Ernesto Guevara em relação às escolhas do seu companheiro de jornada Fidel Castro.

                          Servindo-se de uma abordagem do mundo contemporâneo e dos seus problemas, da nova realidade comunicacional, dos reequilíbrios construídos em tempos de pós-comunismo, o volume procura outorgar ao Che a dimensão de ser de excepção (mais herói do que santo, sem dúvida, mas essencialmente humano), o qual, para o bem e para o mal, teria consubstanciado fisicamente, e materializado no campo simbólico, a resistência – sem meta-históricas metas históricas – a todos os regimes e sociedades uniformes, previsíveis, baços e carcerários. Uma resistência consumada «sem despertar sonhos de escravos cheios de ressentimento, nem fantasias de poder, nem nenhuma certeza quanto a futuros paradisíacos». Resistência que resiste «sem tristeza porque, como dizia Deleuze, no fim de contas, a tristeza é sempre reaccionária».

                          Um Guevara, pois, que «apenas» enunciou, mais do que um caminho, uma atitude para a ligação permanentemente subversiva e criadora, sem modelos a copiar, com o quotidiano e com os outros. Um Guevara humano, falível, responsável por sacanices tramadas, como todos os humanos. Insatisfeito, sempre, tal como todos nós podemos ser. Exemplo apenas porque estímulo. E pouco mais. Talvez por isto, há pouco tempo, uma inscrição anónima anunciava numa parede de Buenos Aires: «Tenho no meu quarto um poster de cada um de vocês. O Che»

                          Três pequenas notas mais sobre aquilo que VHM escreveu:

                          1) Uma banalidade sobre a crítica da violência: a guerra de guerrilha possui, como todas as guerras, os seus horrores e também a sua legitimidade. A execução de alguém, mesmo num acto de guerra, é sempre um gesto extremo, terrível. Mas o gesto guerrilheiro jamais se fez com uma flor na mão. Foi cruel e assassino, sim senhor, como brutais e impiedosas foram as ditaduras que enfrentou.

                          2) Sobre a homofobia do Che: Ernesto era um argentino típico dos anos 1950, mulherengo, sedutor e dançarino, muy macho obviamente. Culturalmente resistente a uma sexualidade que se refugiava ainda nos mais impenetráveis subterrâneos. Assim a olhavam a esquerda e a direita, na altura estruturalmente homofóbicas. Outros tempos, felizmente.

                          3) O documentário fílmico para o qual VHM deixou um link centra-se em testemunhos de gusanos – imigrados cubanos nos EUA, marcados por um anticomunismo à Joseph McCarthy que tem sido utilizado para ampliar a base de simpatia da qual continuam a dispor Castro e o seu regime – e que serviram, alguns deles de armas na mão, o governo corrupto e repressivo de Batista. Tal não retirará alguma credibilidade aos seus comentários rancorosos?

                            História

                            História em diminuendo

                            PREC em PT
                            O livro de Adelino Gomes e de José Pedro Castanheira editado pelo Público (Os Dias Loucos do PREC) define uma útil e documentada viagem pela memória de um período tórrido da nossa história recente. A arrumar na estante ao jeito da mão, ao lado de O Pulsar da Revolução, a cronologia lançada há alguns anos pelo Centro de Documentação 25 de Abril, transformando-se rapidamente em mais uma obra de consulta para historiadores, jornalistas, políticos profissionais e amadores, activistas de diferentes causas e público em geral. Notam-se, entretanto, algumas lacunas, particularmente no que respeita às dimensões cultural, social, ética, e até estética, do Processo Revolucionário Em Curso no imediato pós-Abril. Sem a integração destes factores, para o leitor que o não viveu ou que dele conserva ténue lembrança, o PREC poderá parecer, muito erradamente, apenas uma sucessão de golpes, contragolpes, arranjos palacianos, greves, barricadas, sobrevoos, gritaria e tiros para o ar. Tratou-se, afinal, de uma escolha dos autores. Aquilo que definitivamente não me agrada é, porém, o prefácio de Gonçalo M. Tavares. Nele levantam-se genericamente algumas ideias interessantes para que o leitor comum possa perceber a morfologia de uma revolução e aceite os seus indispensáveis exageros. Mas GMT desenvolve também algumas reflexões, um tanto lacunares, acerca do modo como o conhecimento histórico encararia o carácter dinâmico da intervenção individual e do episódio, assim como a dimensão passional de determinados gestos ou manifestações. Descreve então a História – que escreve com maiúscula para, parece-me, de alguma forma a depreciar – «como uma espécie de ciência que considera as excitações individuais e colectivas focos de perturbação da verdade dos factos», olhando tais excitações «como aquilo que as ciências clássicas classificam de erros».

                            É preciso dizer que, após a superação da fobia do acontecimento produzida pela primeira vaga das escola dos Annales e da intervenção da influência estruturalista que dominou as décadas de 1960-70, a História, enquanto saber preocupado com as leituras presentes do passado, superou esse handicap. Para qualquer historiador minimamente actualizado e aberto às crescentes possibilidades do seu métier, tal questão deixou simplesmente de se colocar. O regresso triunfante da biografia e os novos caminhos percorridos pela história política demonstram-no constantemente. Claro que existe ainda, neste campo, quem pense, escreva e diga o mesmo que pensava, escrevia e dizia há trinta anos, desvalorizando, por exemplo, o papel do olhar de desafio de Salgueiro Maia, ampliado aos olhos do apontador da Chaimite, o qual, por ele convencido, resolveu desobedecer às ordens do seu comandante e não disparar sobre os revoltosos de Abril, possibilitando a sua vitória. Mas contra isso nada se pode fazer se não aceitar criticamente a escolha. GMT é um excelente escritor, como todos sabemos, mas poderia ter a percepção de que a atitude que menciona é própria de uma espécie em vias de extinção. Evitando que fique a pairar a definição lapidar, desalmada e bafienta dessa História-saber que muitos leitores tomarão erradamente por essencial.

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