Algumas linhas sobre o ativismo

Um útil apontamento publicado no Facebook por António Pais remete para uma declaração de Manuela Carmena, deixada em entrevista ao El País, que me levou até um padrão de leitura do papel do ativismo e dos ativistas na qual tenho pensado bastante e que me parece valer a pena debater. Carmena, nascida em 1944, é uma jurista e juíza espanhola, que foi militante dom PCE entre 1965 e 1981, vindo mais tarde, entre 2015 e 2019, a tornar-se alcaide de Madrid por uma coligação de esquerda. Este ano lançou Imaginar la vida: Cuatro décadas transformando lo público, que é um livro de memórias. 

Disse ela ao diário madrileno ter apanhado uma grande desilusão com o seu conhecimento de pessoas autodesignadas «ativistas». Explica assim o seu ponto de vista: «Eram pessoas muito simpáticas, mas hiperpolitizadas, o que me fez refletir. Costumava pensar que os ativistas eram as melhores pessoas para a política, mas apercebi-me de que não eram. Fiquei desiludida. Eram sempre tão claros quanto aos seus objetivos finais que evitavam envolver-se na gestão prática dos problemas. Observei sempre uma grande dificuldade em comprometerem-se, em cederem, em ouvir os outros. E isso inquietou-me. Não pensei que isto pudesse acontecer comigo, mas considero hoje que o ativismo é muito sectário».

Não tenho uma posição assim tão taxativa. Considero o ativismo uma forma legítima e necessária de fazer política, traduzindo uma prática de defesa ativa de causas ou de ideias assente em atividades de protesto, reivindicação e participação que não dependem diretamente, ou exclusivamente, dos partidos e das instituições representativas, dando corpo a escolhas, formas de agir e palavras de ordem em regra mais livres e ousadas. Neste sentido, discordo de Carmena, pois ele parece-me necessário, por vezes decisivo, para desbloquear impasses ou alargar expectativas. Mas já concordo com ela quando se refere aos/às ativistas que, crendo-se iluminados, não se desviam um milímetro das suas metas mais avançadas e não dialogam com as pessoas comuns, assim contribuindo para afastar setores mobilizáveis e para dinamitar causas justas.

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