
Quando se completam 80 anos sobre o início das suas sessões, decorridas entre 20 de novembro de 1945 e o 1 de outubro seguinte em que foi anunciado o seu veredito, os Julgamentos de Nuremberga permanecem como acontecimento-chave da história do século XX, continuando a ser olhados com interesse e como exemplo. Tiveram, em simultâneo, um papel reparador e um efeito traumático, cujos contornos se mantiveram presentes em diversas vertentes da opinião pública e da memória coletiva, continuando ainda, tanto tempo depois e já sem os seus intervenientes, a suscitar ondas de choque associadas a contextos e a preocupações do nosso tempo.
Circunstâncias e momentos
Logo nos meados de 1945, os governos aliados acordaram em estabelecer os primeiros tribunais destinados a perseguir e condenar os altos responsáveis e as autoridades militares nazis por crimes e outras atrocidades cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. Para o efeito, as quatro principais potências beligerantes do lado vencedor – os Estados Unidos, a União Soviética, o Reino Unido e a França – estabeleceram então, no coração da Alemanha, o designado Tribunal Militar Internacional. A sede escolhida foi Nuremberga, tendo a seleção da cidade bávara uma dimensão fortemente simbólica, dada a grande importância que tinha para o imaginário e a propaganda do nazismo. Fora ali que tinha sido refundado, após anos de proibição pelo governo da República de Weimar, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, e fora também ali que, todos os anos entre 1923 e 1938, decorreram os seus aparatosos congressos-comício.
Pouco tempo depois seria criado em Tóquio, aqui por iniciativa quase exclusiva dos EUA e do general Douglas MacArthur, comandante supremo dos Aliados no Japão ocupado, o Tribunal Militar Internacional para o Extremo-Oriente, reunido entre maio de 1946 e novembro de 1948 com o objetivo formal de «julgar e punir os criminosos de guerra do Extremo-Oriente». Pela mesma altura, outros julgamentos foram tendo lugar nos Estados diretamente alvo da ocupação alemã, como a França, a Polónia, a União Soviética, a Dinamarca, a Noruega, os Países Baixos, a Bélgica e a Jugoslávia, visando os responsáveis locais por ações criminosas de gestão política, de guerra e de perseguição de grupos étnicos e políticos. O mesmo aconteceu, aqui de uma forma ainda mais dura, em países que haviam sido aliados políticos e militares dos nazis, como a Hungria, a Roménia e a Bulgária, seguindo o recomendado numa declaração assinada pelos EUA, pela União Soviética e pelo Reino Unido, segundo a qual os criminosos «deveriam serem conduzidos à cena dos seus crimes e julgados pelos povos contra os quais atentaram».
Os Julgamentos de Nuremberga tiveram, porém, um alcance e um impacto maiores, em boa parte por serem os primeiros, mas também em função da notoriedade das figuras envolvidas e dada a sua à época considerável exposição mediática. O regulamento das sessões, entretanto aprovado por responsáveis da principais potências, considerava que o tribunal detinha plena autoridade para julgar e punir três padrões de crime, na generalidade dos casos relacionados entre si.
Desde logo, aqueles perpetrados contra a paz, como o planeamento, a preparação e a condução de uma guerra de agressão, e ainda aqueles que violassem os tratados internacionais em vigor. Depois, os que dependiam diretamente das situações de guerra, em particular os que se traduzissem na destruição de cidades e aldeias, na chacina de populações civis, nos maus-tratos e na eliminação dos prisioneiros civis e militares, ou na devastação de centros urbanos e territórios não fundada em objetivos militares. Por fim, os crimes contra a humanidade, em especial o assassinato, extermínio, escravização, deportação e outras práticas desumanas, cometidos de uma forma sistemática contra as populações, em particular contra os judeus e outras etnias e grupos sociais. Existiu ainda um pressuposto comum a toda a acusação, segundo o qual os arguidos «haviam participado enquanto líderes, organizadores, instigadores ou cúmplices na formulação ou execução de um plano ou conspiração comum», destinado a cometer os crimes.
O Julgamento durou 284 dias, sendo ouvidas cerca de 240 testemunhas e anexados 300 mil documentos, num acervo de 42 volumes de autos e provas reunidos em tempo record. O tribunal utilizou nas sessões duas fontes diferentes do Direito Penal, de modo a combinar a Lei Comum do sistema anglo-saxónico com a Lei Civil do sistema romano-germânico, permitindo o processo que os crimes pudessem ser julgados de uma forma mais ágil e célere, objetivo associado ao desejo, da parte dos vencedores, de concluir os processos punitivos o mais rapidamente possível.
A acusação viria a indiciar os vinte e dois líderes políticos e militares nazis ali presentes, todos eles seniores, incluindo Hermann Göring, Rudolph Hess, Joachim von Ribbentrop, Alfred Rosenberg, Wilhelm Keitel, Julius Streicher, Alfred Jodl e Albert Speer, tendo escapado, naturalmente, aqueles que se tinham suicidado, como Hitler e Goebbels, além dos que haviam, entretanto, morrido ou tinham conseguido fugir. Dezanove foram considerados culpados, dez deles condenados à morte por enforcamento, três à prisão perpétua, e seis a penas de prisão entre 10 e 20 anos, enquanto três foram absolvidos dos crimes escrutinados pelo tribunal.
Ao mesmo tempo, foram também acusadas organizações essenciais do aparelho político do nacional-socialismo e do seu complexo sistema militar e repressivo. Foram estas a liderança do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (o Partido Nazi), o Conselho de Ministros do Reich, o Gabinete Central de Segurança, diretamente controlado por Himmler, as SS (Tropas de Proteção), as SA (Tropas de Assalto), os SD (Serviços de Inteligência, chefiados por Heydrich até à execução deste, em Praga, por resistentes checos), o Alto-Comando das Forças Armadas, o Estado-Maior-General do Exército e a direção da polícia secreta, a Gestapo. O objetivo prioritário da acusação contra elas apresentada foi que conseguir que estas fossem consideradas «organizações criminosas», deste modo a facilitar a rápida captura e uma acusação expedita dos seus membros em outros tribunais. Objetivo estratégico que viria de igual forma a ser cumprido pelo tribunal.
Impacto imediato e atualidade
Logo, por motivos óbvios, na época dos Julgamentos, mas também depois, ao longo de décadas, manteve-se o interesse público em compreender o seu funcionamento, o comportamento dos seus diferentes atores, e as suas consequências imediatas ou mais distantes. Foram por isso objeto de numerosas investigações, estudos, memórias, reportagens, documentários e ainda de algum trabalho de ficção, associado em particular à literatura, ao cinema e a séries de televisão. Boas perspetivas de conjunto desse interesse dinâmico são oferecidas por dois livros clássicos sobre as sessões de Nuremberga, um, Os Julgamentos de Nuremberga, da autoria do jornalista Bernard Michel e o outro, O Processo de Nuremberga, da historiadora francesa Annette Wiewiorka, o primeiro mais descritivo, o segundo sobretudo interpretativo, que são ainda referências incontornáveis para o trabalho de investigação mais recente sobre um acontecimento capaz de transcender em muito os factos e os ecos contidos na sua inscrição temporal inicial.
Os episódios que se sucederam durante os Julgamentos envolveram, como Michel e Wiewiorka mostram, a apresentação de muitas provas chocantes dos horrores cometidos pelos nazis e da sua impressionante escala, como imagens dos campos de trabalho e de extermínio, testemunhos na primeira pessoa de vítimas e prisioneiros, e de outras provas materiais. Mas envolveram também debates intensos entre os Aliados travados a propósito da severidade das punições (ao contrário dos demais participantes, os soviéticos pretendiam a execução de absolutamente todos os responsáveis alemães, mesmo os que tinham agido a um segundo nível de importância), ou sobre o direito de defesa dos acusados, apontando ainda para o indiciamento de crimes, focados em setores específicos da máquina de guerra nazi e dos seus numerosos tentáculos, como generais, médicos, juristas e industriais, que acabariam por ocupar julgamentos subsequentes e bem menos aparatosos.
Decisiva em todo o processo foi a afirmação do princípio segundo o qual os agora chamados «crimes contra a humanidade» se tornam, para além do novo tipo de crime que configuram – referenciado pela primeira vez a propósito do genocídio sobre os arménios levado a cabo em 1915 pelo governo turco otomano – plenamente julgáveis e sem qualquer possibilidade de prescrição. Tonando-se ainda um ponto de partida para o direito internacional moderno ao considerar-se que diziam respeito, não apenas ao Estado ou ao território onde tivessem sido cometidos, mas à humanidade no seu todo.
Os Julgamentos impulsionaram assim a necessidade de criar um marco de proteção universal, levando à adoção pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tiveram igualmente decisiva influência nos trabalhos da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, informando a adoção dos Princípios de Nuremberga na segunda sessão da Comissão, ocorrida em 1950. Constituíram ainda decisiva referência para o desenvolvimento de tribunais internacionais de investigação e combate contra crimes de guerra, de genocídio e contra a humanidade, incluindo os estabelecidos para a ex-Jugoslávia, em 1993, e para o Ruanda, no ano seguinte, bem como para a criação, em 1998, do Tribunal Penal Internacional, instituição permanente, de dimensão universal, na dependência das Nações Unidas, destinada a julgar pessoas acusadas de genocídio, crimes de agressão, de guerra e contra a humanidade,.
Nuremberga pôs fim a um sistema jurídico internacional no qual a guerra, mesmo a mais agressiva, era ainda considerada uma alternativa em larga medida aceitável, de algum modo considerada natural e inevitável no percurso da história humana. Constituiu também o momento de nascimento de um novo sistema moral, onde foram estabelecidos conceitos, na altura novos, como aconteceu com o de genocídio. Independentemente de alguma críticas, ainda hoje feitas, levantadas pela rápida «agilização jurídica» dos processos tratados, os Julgamentos de Nuremberga, como os de Tóquio, representaram um exercício da justiça, tendo marcado a história da comunidade internacional pela imagem que forneceram sobre a necessidade imperativa de repressão sobre os agentes responsáveis pelas graves violações do direito internacional na sua relação direta e imprescindível com os direitos humanos.
O problema da culpa
Um dos aspetos mais complexos do processo que envolveu os Julgamentos e o seu eco são a definição e a consideração da culpa por parte dos perpetradores dos crimes ali julgados. Percorrendo um volume, Entrevistas de Nuremberga, editado entre nós há uma vintena de anos pela Tinta da China, constituído pelo extenso relatório do um psiquiatra norte-americano, Leon Goldensohn, encarregado de acompanhar na prisão de Nuremberga o estado de saúde mental das altas patentes da hierarquia nazi, nota-se vividamente, como traço comum, uma dupla caraterística dos arguidos.
De um lado, uma dimensão extremamente racional da autointerpretação das suas trajetórias de vida, do seu labor em prol da afirmação do nacional-socialismo e da vitória do Reich alemão, e também das decisões que em lugares-chave de enorme poder foram conscientemente tomando. Do outro lado, porém, uma absoluta incapacidade, comum a rigorosamente todos eles, para exprimir qualquer remorso pelos enormes crimes de que eram acusados, não evidenciando, pois, qualquer sentido de culpa. Aqui e ali revelaram nas conversas com Goldensohn, sem dúvida, algum medo pela consumação do destino que os esperava no termo das sessões do tribunal, mas jamais qualquer deles manifestou algum sentimento de culpa. Como aconteceu, aliás, com a generalidade dos responsáveis nazis que escaparam à punição graças à fuga ou por terem responsabilidades, consideradas menores nos crimes do regime, que foram sendo perdoadas ou esquecidas.
O tema da culpa face aos crimes expostos em Nuremberga, e depois nos outros tribunais destinados a julgar e a condenar responsáveis em diversos escalões do sistema de poder alemão, é recorrente e advém de um problema ainda hoje debatido sem uma conclusão clara e unívoca. A questão da culpa do povo alemão nos crimes do nazismo – de todos os alemães, ou pelo menos da sua imensa maioria, não apenas na de um grupo numeroso – esteve, de facto, logo presente nas polémicas que emergiram do rescaldo imediato da Segunda Guerra Mundial. Questionou-se, desde logo, o facto de muitos alemães terem consciência dos crimes do Terceiro Reich sem nada terem feito para os combater ou, em inúmeros casos, beneficiando até das suas consequências. Questionou-se também o grau de adesão, aparentemente maciço, às políticas do nacional-socialismo, à propaganda sistemática que as justificava e elogiava, e à figura carismática de Adolf Hitler. Debateu-se ainda se castigar cidadãos comuns após o final da guerra seria uma retribuição justa e necessária pela sua cumplicidade, ou antes apenas uma vingança mesquinha e não menos desumana. São problemas para os quais jamais foi encontrada uma resposta clara, permanecendo em aberto dentro da própria sociedade alemã.
Considerou-se ainda, desde logo – e isto é já inteiramente certo e encontra-se comprovado – a importância da divulgação das conclusões dos Julgamentos para ajudar a construir uma espécie de obrigação moral alemã de evitar o esquecimento dos crimes do regime, e em particular dos horrores do Holocausto, aspetos fundamentais para os seus sobreviventes, mas também para as gerações de cidadãos alemães que viveram a guerra como adultos e acompanharam depois a sua posteridade. Aliás, foi a perceção da necessidade de registar e preservar na memória a dimensão dos horrores do nazismo que determinou, nos últimos meses da guerra, a exposição dos simples civis ao espetáculo brutal dos campos de trabalho e de extermínio, das valas comuns e dos fornos crematórios.
Vale a pena, entretanto, recordar que o Código Penal alemão continua, exemplarmente, a não adotar a prescrição para os crimes de assassinato e de cumplicidade com ele, o que possibilita a punição jurídica de culpados, mesmo décadas após o cometimento dos crimes de que possam ser acusados. Em 1979, aliás, o Bundestag aprovou uma lei explicitamente destinada a impedir que esses crimes pudessem prescrever. O início da ressurgência da extrema-direita alemã, ocorrido por esse época, terá estado, sem dúvida, na mira dos parlamentares que a conceberam e aprovaram.
Em sentido contrário, é certo, muito se foi escrevendo e debatendo sobre o sofrimento do povo alemão, encarada, sob esta perspetiva, igualmente como vítima. Fosse do regime de Hitler, fosse da guerra conduzida pelos Aliados já dentro do território alemão. Relembre-se que se o maior número de perdas humanas na Segunda Guerra Mundial ocorreu na União Soviética, com a estimativa de 24 milhões de pessoas, 15 milhões civis, o segundo país que sofreu maior número de baixas terá sido a Alemanha, com 9 milhões de mortos, dos quais 4 milhões de civis, não contabilizando aqui as vítimas do Holocausto. A esmagadora maioria foi sujeita aos bombardeamentos dos Aliados e às represálias do Exército Vermelho. O escritor W. G. Sebald foi dos primeiros alemães, e fê-lo só meio século após o termo da guerra, a referir de forma pública esta realidade brutal. Na História Natural da Destruição (publicada em Portugal com a chancela da Quetzal), falou, a propósito da intervenção da força aérea britânica nos céus alemães, de «400.000 voos, um milhão de toneladas de bombas sobre o território inimigo» e das «131 cidades atacadas, algumas uma só vez, outras repetidamente, muitas quase totalmente arrasadas», com «600.000 alemães que caíram vítimas da guerra aérea, três milhões e meio de habitações destruídas, sete milhões e meio de desalojados».
O problema moral levantado pelos bombardeamentos sobre as cidades alemãs, particularmente destrutivos em Hamburgo e Dresden, associa-se, aliás, à decisão, sabe-se hoje que plenamente consciente, de através deles eliminar os restos de resistência da Alemanha nazi, e também ao desejo de atemorizar, desmoralizar e punir a população, levando-a ao mesmo tempo a retirar o seu apoio ao que restava do regime de Hitler. O historiador britânico A. C. Grayling revelou, no livro Among the Dead Cities, de 2006, os bastidores políticos dessa decisão, bem como todas as implicações militares, estratégicas, políticas e morais de que os decisores, em particular os britânicos, tinha total consciência. Hannah Arendt viria, no bem conhecido Eichmann em Jerusalém, a considerar esses bombardeamentos uma resposta legítima perante o idêntico procedimento levado a cabo pela aviação alemã sobre cidades como Londres, Conventry ou Roterdão.
De qualquer modo, os debates sobre a culpa do povo alemão no desencadear da guerra e nos seu curso de horrores teve sempre como pano de fundo – muitos anos antes do impacto público de filmes e de séries de televisão que popularizaram uma certa ideia de «mal natural» do regime nazi e até de boa parte dos alemães – a perceção e a compreensão da quantidade de crimes revelados em Nuremberga e ali julgados e punidos, embora necessariamente de forma seletiva e focada nos arguidos presentes.
Os julgamentos do pós-Guerra promovidos pelos Aliados contra os propagandistas nazis prosseguiriam após a conclusão dos trabalhos do Tribunal Militar Internacional, mas os diferentes resultados dos julgamentos subsequentes pouco fizeram para esclarecer o problema legal da vinculação efetiva entre palavras a ações, determinando uma relação de aberta causalidade entre as propostas políticas do nazismo e a receção, ativa ou passiva, que tiveram junto do povo alemão. Prova disto é o elevado número de pessoas que tinha servido a propaganda alemã no campo da ciências, das letras e das artes e que dessa responsabilidade acabaram por ser absolvidas. Das quais uma das simbolicamente mais importantes foi a realizadora Leni Riefenstahl, que dirigira o épico e paradigmático O Triunfo da Vontade, filme de propaganda sobre o VI Congresso do Partido Nazi, realizado no ano de 1934 precisamente em Nuremberga, que contou com a presença de mais de 30.000 membros e simpatizantes.
De toda a forma, foi ainda através da influência das iniciativas do tribunal de Nuremberga que, pela primeira vez na história da humanidade, tribunais de crimes de guerra julgaram responsáveis pela propaganda por esse motivo. Isto é, puniram indivíduos que por meio de discursos, imagens e textos escritos contribuíram para a agressão, a perseguição e o assassinato em massa pelos nazis de judeus e outros grupos étnicos, religiosos e políticos, legitimando ainda a política de agressão militar sobre os Estados soberanos invadidos e a repressão, por vezes a escravização, de boa parte das suas populações. A associação desses propagandistas a «crimes contra a humanidade» abriu precedentes importantes, invocados por organizações e por tribunais internacionais desde a época até à atualidade.
Um legado ímpar
Pode, pois, considerar-se com toda a propriedade que os Julgamentos de Nuremberga representaram um acontecimento ímpar na fundamentação do direito internacional contemporâneo, produzindo a responsabilização de determinados indivíduos como sujeitos ativos na realização de crimes de guerra, e ampliando estes na complexidade das suas diferentes dimensões. Além disso, estimularam a inserção dos direitos humanos no espectro jurídico internacional, humanizando-os e transformando-os num fator muito mais relevante, que passou a ser tido em consideração, seja em outros julgamentos, seja no entendimento negativo, mais informal, embora não menos importante, da opinião pública.
Mesmo configurando, sem sombra dúvida, uma justiça que há oitenta anos ali foi imposta pelos vencedores, as sessões do tribunal de Nuremberga produziram um legado ímpar, que perdura até hoje. O que elas revelaram dos horrores ali julgados, a caraterização dos crimes apontados, e a clara condenação dos seus mentores e executantes, foram um fator de validação da importância dos direitos humanos, da necessidade imperativa da sua defesa em situações de guerra e agressão, e, sempre que necessário, da punição dos seus declarados inimigos. Talvez mereçam ser relembradas quando for possível tomar decisões sobre as responsabilidades na atual guerra de invasão e devastação da Ucrânia, bem como na situação vivida em Gaza.
Rui Bebiano
Fotografia: Hermann Goering durante o Julgamento. Foi condenado à morte por enforcamento, mas suicidou-se na véspera. Raymond D’Addario/Galerie Bilderwelt/Getty ImagesSaído no diário Público de 16/11/2025
