Verão Quente: não foi isto que vivemos

O Público começa um artigo sobre o Verão Quente de 1975 da seguinte forma: «Foram meses de instabilidade política, de anúncios de golpes e contragolpes de Estado, e também marcados por uma onda de violência ímpar. A História descreve uma realidade de trincheiras e os protagonistas reconhecem que Portugal esteve à beira de uma guerra civil. O país vivia, literalmente, a ferro e fogo. Foi o Verão quente.» Na verdade, a História (com o H maiúsculo que os autores do texto preferem usar) não descreve nada disto, ou apenas isto. O chamado Verão Quente foi um tempo de grande instabilidade política e social, sem dúvida alguma – aliás, revoluções tranquilas, sem instabilidade e hesitações, não existem -, mas também um período de conquistas, de experiências e de construção de utopias que durante décadas pautaram a vida dos portugueses e da democracia. Reduzir o Portugal da época a «um país a ferro e fogo» é um logro análogo àquele imposto pelo Estado Novo, ao longo da sua existência e a sucessivas gerações, para caraterizar a nossa Primeira República.

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