Em defesa do Bloco

Como democrata e homem de esquerda, parece-me completamente intolerável, além de bastante perigosa, a vaga de depreciação da qual o Bloco de Esquerda está agora a ser objeto. Não apenas pela direita em geral, o que não será grave – seria até um mau sinal se tal não acontecesse –, mas por muitos jornalistas e comentadores com assento cativo nas televisões e nos jornais. Alguns fazem-lhe até uma espécie de funeral antecipado, equiparando o seu eventual desaparecimento à morte de toda a esquerda como ideal, como projeto e como solução, falando mesmo do fim de uma época da história das lutas sociais e das democracias.

Durante bastante tempo, e episodicamente isso ainda acontece, passei por ser aderente do Bloco de Esquerda. É verdade que participei em alguns encontros no seu início, e que durante cerca de quinze anos, além de ser seu eleitor, colaborei em diversas iniciativas do partido, como empenhado «companheiro de jornada», mas, de facto, jamais tive com ele uma ligação formal. Comecei até a distanciar-me, quando a sua opção exclusiva como partido de protesto, a sua dificuldade em dialogar com o centro-esquerda e algum antieuropeísmo, causaram danos políticos. A partir dessa altura, escrevi artigos de opinião onde critiquei, sempre de forma que julguei construtiva, algumas das suas escolhas, tendo por isso granjeado, entre bloquistas mais sectários, uma reputação de incómodo ou mesmo de apóstata. 

Todavia, continuei e continuo, apesar de ser agora membro de outro partido de esquerda, a ter muitos amigos e amigas no Bloco, e também a concordar com muitas das suas escolhas, valorizando, num tempo marcado pela cobardia, pela ductilidade e pela emergência desavergonhada da extrema-direita, a sua iniciativa sempre frontal e corajosa. Reconhecendo, ao mesmo tempo, o que fez pela nossa vida coletiva, e considerando-o uma força democrática imprescindível, numa área não ortodoxa de combate pela justiça social, pela igualdade, pela ecologia e pelo socialismo. Sendo verdade que o BE atravessa um momento difícil, continuará o seu caminho e, contra ventos e marés, voltará a mostrar do que é capaz. Merece o maior respeito de quem se afirma democrata.

Rui Bebiano

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