Algumas notas curtas (e também críticas) sobre o pesado terramoto das legislativas. Noto aqui que, apesar de ser membro do Livre, elas são totalmente pessoais, só a mim comprometendo. Olho principalmente para os partidos de esquerda (PS, Livre, PCP, BE e PAN), aqueles que verdadeiramente me interessam, e que, reunidos, apenas obtiveram 34% dos votos. Ou seja, a percentagem mais baixa em democracia.
1 – O Partido Socialista foi o maior derrotado, com votações catastróficas, abaixo até das sondagens mais pessimistas. Ainda em plena campanha, tornou-se evidente a excessiva colagem ao caso Montenegro, sabendo-se que, para boa parte do eleitorado, comportamentos como o seu são desculpáveis ou mesmo aceitáveis. Também não soube capitalizar a vaga mundial e europeísta anti-Trump, descurando a política internacional. Pior ainda: não apresentou um programa claro e mobilizador, limitando-se a metas vagas e promessas avulsas, logo cobertas pela concorrência. Do seu lado, Pedro Nuno Santos, apesar do perfil amável, jamais foi o dirigente com a dose de carisma necessária para ganhar eleições. É provável que dê agora lugar à moderada «direita do PS», há anos a afiar as facas.
2 – Em contrapartida, dentro do limite imposto pela sua condição de partido não vocacionado para vencer eleições, o Livre teve uma boa votação, tendo sido até, muito provavelmente, prejudicado em alguns ambientes pelo apelo ao voto útil no PS. O seu perfil positivo, moderno e essencialmente urbano captou, obviamente, muitos eleitores do BE, mas também um grande número de jovens que votaram pela primeira ou segunda vez. O seu europeísmo e o seu ecologismo foram também valorizados, embora, em alguns momentos, se tenha sentido a sua falta de implantação nos ambientes da luta social; ou, talvez, a falta de vocação para ela. Terá, a curto prazo, margem para crescer em ligação com a sua essência de partido de causas.
3 – Na CDU, e já que o PEV é realmente uma inexistência, o PCP prossegue a sua queda em termos de reconhecimento público, tendo, muito provavelmente, chegado ao seu menor denominador comum, impossível de fazer subir sem uma profunda alteração tática e de um discurso datado, que permanece incapaz de se libertar dos clichés. Apesar de uma boa campanha, e da inegável simpatia do seu secretário-geral, jamais deixou de ser o partido de protesto e antieuropeísta que se conhece, com bastantes telhados de vidro no que diz respeito à política internacional, em particular no caso do conflito na Ucrânia e da incapacidade para se adaptar às dinâmicas da atual ordem mundial.
4 – O Bloco de Esquerda teve um resultado completamente desastroso. Boa parte da responsabilidade liga-se ao envelhecimento físico e político do partido, ampliado publicamente pela escolha como cabeças de lista, em alguns distritos, de pessoas sem dúvida estimáveis, mas que grande parte do eleitorado já não reconhece. Além disso, aquele que fora o motor do crescimento do BE – a defesa de «causas fraturantes», associadas a uma imagem, até gráfica, de juventude e modernidade – tem vindo a perder-se ao longo dos anos, por troca com um «protestatismo» que o PCP consegue assumir com maior aptidão orgânica. Da capacidade para rejuvenescer e se reinventar dependerá muito o seu futuro. A sua presença continuará a ser um fator necessário no desenvolvimento de políticas progressistas e de esquerda, mas não se compadecerá com uma eventual radicalização.
5 – Por fim, o PAN caminha para o seu desaparecimento, incapaz de se projetar visivelmente além de uma vocação demasiado confinada à defesa de alguns tópicos avulsos da ecologia e dos direitos animais.
Entretanto a direita e a extrema-direita saíram claramente reforçadas. A primeira por ter apostado no discurso da moderação e da governabilidade; a segunda por apanhar a vaga internacional do populismo e assentar a sua propaganda, como em outras paragens, na mentira e na manipulação, em boa parte favorecidas pela atenção desmesurada da comunicação social, sobretudo das televisões.
Isto ocorre, em boa parte, sobre uma paisagem moral e cultural em défice, que cinquenta anos de democracia não conseguiram construir e projetar. Será em boa parte neste campo que deverá agora aplicar a sua iniciativa uma esquerda capaz de olhar para o passado sem o apresentar como exemplo a repetir, e de arquitetar o futuro sobre um mundo em rápida e profunda mudança. Assim se saiba também reinventar e reorganizar. Este não é, todavia, assunto para estas curtas notas escritas sobre o momento.
Rui Bebiano