O inaceitável cerco ao PS

Que fique muito claro: tendo muitíssimas pessoas amigas, ou que admiro, seja pelo que fazem ou apenas como seres humanos, na condição de militantes, de simpatizantes ou de votantes do Partido Socialista, sempre mantive em relação a este uma razoável distância crítica. Apenas por uma vez votei PS nas legislativas, jamais o fiz nas autárquicas e, nas presidenciais, só coincidimos no apoio dado a Mário Soares e depois a Jorge Sampaio. Afora estas ocasiões, somente em algumas importantes campanhas cívicas nos aproximámos.

Dito isto, acrescento que tenho o maior respeito por um partido fundador da nossa democracia, que teve e mantém no seu corpo um grande número de antifascistas, e que tem proposto ou apoiado medidas políticas e sociais que, em muitos casos, têm contribuído para um país melhor e mais progressista. Todavia, sempre me distanciei de setores do partido, próximos do chamado «aparelhismo» – essa doença da democracia que afeta, como infelizmente sabemos, outras forças políticas – para os quais o partido serve sobretudo de elevador social, muitas vezes com práticas que contradizem os princípios democráticos e socialistas que proclamam.

É neste contexto que se torna muito preocupante uma situação como a que agora se vive e determinou a crise política. Sendo clara a responsabilidade criminal de alguns cidadãos envolvidos, ela não implica – até prova em contrário, que acredito jamais chegará – a da pessoa de António Costa e dos principais responsáveis do partido e do Governo. Todavia, como Costa bem frisou, ela tornou inevitável o seu pedido de demissão, dado a função que exerce não ser compatível com quaisquer suspeições, mesmo as mais ténues.

O que já não é aceitável é a forma como a generalidade dos meios de comunicação social e dos cronistas de política tem aproveitado esta situação para atacar o PS e dar a entender que a chegada a uma situação desta natureza é inerente às suas práticas. Trata-se, na verdade, de um cerco de natureza antidemocrática, que traduz a tentativa de demolir um partido essencial da nossa democracia, com ele parecendo dar-se razão a quem esta ataca, proclamando como solução a chegada ao poder de figuras salvíficas e consideradas puras. Foi assim, como se sabe, ou deveria saber, que muitas democracias se transformaram nas piores ditaduras.

Rui Bebiano [originalmente no Facebook]

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