A crise e o escrutínio

1. É imprudente, e apenas resultado da ambição de poder ou de cegueira política, exigir eleições antecipadas neste momento. João Miguel Tavares, de quem habitualmente divirjo (e muito), explica porquê: o PS detém uma maioria absoluta no Parlamento; existe uma altíssima probabilidade de as próximas eleições virem a produzir uma solução governativa muito mais instável do que a actual; o PRR, com um Governo em gestão e meses de campanha eleitoral, poderá nunca vir a ser executado na totalidade; a TAP e o aeroporto ficarão congelados; a entrada em vigor do Orçamento do Estado será posta em causa; o PS não terá tempo para assimilar o que lhe aconteceu; e o PSD e a comunicação social não terão tempo para escrutinar Luís Montenegro e a sua equipa.

Mas, mais importante ainda do que estes vários fatores, acrescenta ainda JMT, a razão substancial para atrasar as eleições é que nenhum português deve ser obrigado a votar em legislativas sem ter uma convicção profunda acerca da solidez destas novas suspeitas, ou, pelo menos, sem uma forte clarificação do papel de António Costa no processo, o que de modo algum foi feito, tudo se limitando, no que se lhe refere, a um vago parágrafo processual.

No conjunto, estas seriam, parece-me também, razões mais do que suficientes para que partidos e pessoas responsáveis considerassem ser melhor solução nomear outro primeiro-ministro do PS até novas eleições em finais de 2024 ou em 2025. Caso contrário, a tendência será para substituir uma situação complexa por uma outra, de natureza crítica e potenciadora de graves conflitos e eventuais bloqueios.

2. Este é um assunto para texto posterior, necessariamente mais elaborado, mas precisa ser dito desde já, perante as informações que vão surgindo através da comunicação social. Cada vez mais se torna evidente que todos os titulares de cargos públicos, bem como aqueles que diretamente com eles trabalham nesses cargos, devem ser objeto de um forte escrutínio, inclusive com uma parte pública, antes de tomarem posse. Bem sei que isso pode colocar em causa as ambições de quem sobe a partir da influência da máquinas partidárias, mas será sempre bom para a vitalidade da democracia e para a confiança que nela depositem os cidadãos.

Rui Bebiano

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