Cerco às sedes e lições da história

Em 1975, após a viragem de 11 de março, começaram a ocorrer em Portugal, organizados por movimentos terroristas de extrema-direita – os partidos da direita democrática, incluindo o CDS, não participaram como tal nessas ações – cercos e ataques às sedes do Partido Comunista e de algumas organizações da esquerda revolucionária, sendo várias delas destruídas e chegando a haver pessoas agredidas. A violência começou no norte do país, incitada também por setores mais conservadores da Igreja católica, com influência sobre muitas pessoas despolitizadas, mas logo foi descendo no mapa. Parte do que se chamou «verão quente» passou por estes incidentes.

Em meados de novembro ainda ocorreu um em Coimbra, a que pude assistir diretamente, então recém-chegado da minha experiência angolana como militar. Precisamente devido à formação que tinha, participei na organização da defesa da sede da UDP, na altura situada, como aliás a do PCP, na Rua da Sofia. Uma situação extrema onde por muito pouco não ocorreram mortes. Foi por essa época, aliás, que os comunistas, em posição de recuo estratégico – que pode ser documentada pela leitura do Avante! – desenvolveram como prioritária, não tanto a radicalização do processo político, mas antes uma preparação para a «defesa das Conquistas da Revolução».

O objetivo dessas ações de assédio e destruição não foi exprimir discordância política, mas antes, muito visivelmente, mostrar um ódio visceral pelas transformações democráticas, procurando destruir, inclusivamente no plano físico, quem mais frontalmente por elas se batia e se opunha a essa extrema-direita ressabiada e revanchista.  Integrava essa iniciativa também um anticomunismo primário resultante de décadas de propaganda salazarista e de Guerra Fria, tendentes a disseminar como expressão do mal e do pecado, bem como de um certo antipatriotismo, a simples existência de partidos políticos anticapitalistas e anticolonialistas que defendessem formas de justiça social. 

Quase cinquenta anos depois, o Chega está agora a tentar lançar um movimento análogo, voltando-o desta vez sobretudo contra o Partido Socialista. Porém, os outros partidos e movimentos de esquerda, não sendo para já afetados – talvez porque são vistos por aquele setor como inimigo menor, dado o frágil peso eleitoral que têm neste momento – de modo algum podem ficar-lhe indiferentes. As lições da história servem para alguma coisa e, neste caso, para tornar claro o desejo último da extrema-direita: por mais «democracia» que esta tenha na boca, o seu alvo é a destruição do legado de Abril e o regresso aos valores do passado a que toda a esquerda se opõe.

Rui Bebiano

Fotografia: Assalto à sede do PCP em Braga, 1975 (Arquivo Ephemera)
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