O Iraque 20 anos depois – uma autocrítica crítica

Em 20 de março de 2003, há precisamente vinte anos, começou a invasão militar do Iraque, terminada no 1 de maio seguinte. A operação «Liberdade do Iraque», destinada a completar a inacabada «Tempestade do Deserto», de 1990-1991, foi levada a cabo pelos Estados Unidos com o apoio militar do Reino Unido, da Austrália e da Polónia. O objetivo principal de desarmar e de derrubar o regime de Saddam Hussein foi alcançado, seguindo-se um longo período de instabilidade local e regional que causou grande número de vítimas e um empobrecimento generalizado do país invadido, apenas não extensível a setores que de alguma forma colaboraram com o novo ocupante ou com o governo por este imposto. Este foi defendido pelos norte-americanos até à sua saída em dezembro de 2011, após oito anos de destruidora guerra civil.

Como muitas pessoas recordarão, para além de políticos e forças tradicionalmente apoiantes da política externa norte-americanoa – nomeadamente vindos da direita, como aconteceu com o então nosso primeiro-ministro Durão Barroso –, um bom número de homens e mulheres com ligações a um ideário progressista ou pertencentes a correntes políticas da esquerda, e que habitualmente se opunham à política externa de Washington, aceitou na altura a invasão. Encarando-a como representando um mal menor que se supunha poder até conter algumas consequências positivas. Foi, sem dúvida, um enorme erro de análise, que eu próprio por momentos cometi e do qual me tenho vindo a autocriticar, ainda que esse erro tivesse sido determinado pela combinação de quatro razões, duas delas em condições de criar uma cortina de fumo que prejudicou a necessária lucidez.

A primeira relacionou-se com as informações propositadamente erradas e manipuladas, na altura mostradas como seguras, de que o Iraque dispunha de armamento nuclear pronto a ser utilizado contra quem pudesse considerar inimigo. A segunda prendeu-se com notícias que vinham circulando, estas comprováveis, sobre a forma brutal como Saddam reprimia os opositores e estava a levar a cabo uma política sistemática de genocídio contra o povo curdo e outras minorias. A terceira razão estava associada à desvalorização do potencial de violência e dos apetites políticos dos islamitas radicais, que se encontravam já em ascensão e que até acabaram por se reforçar e adquirir alguma legitimidade com a presença norte-americana. Por último, a quarta razão tinha a ver com muitas pessoas já nessa altura terem a perceção de que, a par do imperialismo norte-americano, outras forças estavam a emergir na região, como a Rússia, a sua aliada Síria, e a própria Turquia, diante das quais muitos analistas acreditara, ser útil, no plano tático, a impor um travão.

É hoje percetível para muitos políticos e analistas profissionais, ou simples cidadãos com opinião como eu era, que, a par da informação errada imposta por um reconhecido logro, ou de alguma credulidade perante a propaganda, existiu um erro da análise que levou a tomadas de posição hoje reconhecidas como incorretas. Todavia, existe uma diferença abissal entre quem se limitou a esses erros de análise e quem, mentindo aos concidadãos, tomou medidas de natureza militar e política que sem dúvida constituíram um crime. Conduzindo, no que se refere a um ambiente de paz e à vida quotidiana dos povos da região, a um completo descalabro.

Rui Bebiano

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