Admito que se trata de implicação. É-me insuportável ler textos que se sirvam do plural majestático, o recurso estilístico que tende a tornar comum o que na realidade é pessoal. Foi e é atributo de reis e rainhas, ou de pessoas da alta nobreza, que assim procuram assimilar a sua vontade à do povo que superiormente pretendem representar e dirigir. A locução serve-se com frequência uma exceção gramatical que articula plural e singular: «nós fomos recebida/o». Tem vindo, no entanto, a ser abandonada. Em 1989, a antiga primeira-ministra britânica Margaret Thatcher foi ridicularizada pela imprensa quando usou o plural majestático para anunciar que se tornara avó. O papa João Paulo II colocou um ponto final na sua utilização nos discursos públicos, embora o uso da fórmula permaneça ainda em muitos dos escritos oficiais da Igreja católica.
O plural majestático ainda é usado em certos ambientes académicos, por vezes indicado a quem a eles chega ser assim «que se deve proceder», como sinal de uma suposta modéstia – para diluir o uso intensivo do eu, argumenta-se – ou para subordinar o saber à academia, contrariando a valorização do pensamento pessoal, que hoje tende, a par da forma impessoal, a ser mais usada. Já nos anos oitenta escutei, durante uma prova pública de doutoramento, o arguente principal invetivar alguém por fazê-lo: «A senhora está sempre com um “nós isto”, “nós aquilo”? Afinal escreveu sozinha esta tese ou fê-lo em conjunto com alguém?» É hoje um recurso extremamente antiquado, tornando o texto no qual é inserido ultraconvencional, com cheiro a bafio e muito desagradável. De cada vez que deparo com um texto que dele se serve neste registo, paro logo de o ler e ponho-o de lado.