A conversa e o monólogo

Como escrevi ontem e agora reafirmo, não irei argumentar mais – com outras pessoas ou mesmo sozinho – a propósito do tremendo e grave erro político do Bloco e do PCP. A partir de certa altura, já estamos a falar em círculo, ou como surdos, o que a nada mais leva que não seja a levantar demasiado a voz e a um desgaste. Acrescento apenas, em forma de síntese, que as legítimas reivindicações adiantadas por ambos os partidos – não vamos agora debater se, no conjunto, seriam exequíveis sem se cortar em outras rubricas do orçamento – jamais justificariam juntarem-se à direita e à extrema-direita para fazerem cair o atual governo. Tiveram sempre a possibilidade, que a maioria dos seus eleitores por certo aceitaria (fui um deles), de se absterem na votação, continuando a negociar. É esse o ponto. Aliás, o argumento de que se fez o que se fez porque o PS pretendia eleições e a maioria absoluta é, no contexto, inteiramente absurdo, pois será justamente isso a que ambos abriram a porta.

Existe, no entanto, um outro lado, de uma natureza quase orgânica e com um amplo lastro histórico, que pouco tem sido referido mas condicionou, e não apenas agora, a escolha dos dois partidos. A opção foi determinada, do lado do PCP, em larga medida porque uma boa parte dos seus militantes e alguns eleitores, mais vocacionados para o combate reivindicativo que para a partilha de responsabilidades de poder, de há muito se vinha insurgindo contra o facto de a direção parecer mais empenhada em dialogar com o governo do PS que na luta de classes. Do lado do Bloco, passou-se algo um tanto diverso: acima de tudo, existe um setor dirigente politicamente mais radicalizado que a maioria dos militantes e dos apoiantes, que também tem dificuldade em sair do modelo político maximalista e essencialmente protestativo. Afinal, para uns e para outros, quem não partilhe desta atitude «é de direita» ou para lá caminha. Desta forma não há conversa possível, mas apenas monólogo.

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