Menos que uma canção de embalar

Qualquer força política, para não ser um irrelevante conjunto de homens e de mulheres agrupados à volta de uma sigla, de uma bandeira e de um programa mínimo, para ser mais que um mero instrumento na partilha dos poderes, e sobretudo para ter alguma utilidade na organização do quotidiano das sociedades democráticas, precisa conciliar e aplicar dois fatores tão críticos quanto decisivos. O primeiro prende-se diretamente com os interesses materiais dos indivíduos e dos grupos, o que significa atender aos vários processos reivindicativos e fazer-se porta-voz destes, seja qual for a dimensão em que se coloquem: regalias, condições, direitos, garantias, expetativas e afins. O segundo fator prende-se com a gestão das sociedades a médio prazo ou a perspetiva proposta para o seu desenvolvimento, bem como com os caminhos para a produção de um futuro coletivo e para o desenho que este possa tomar. Ambos os fatores são imprescindíveis, mas apenas pesam e têm consequências se forem combinados. 

Lemos as notícias e vemos como grande número de partidos e movimentos, em particular aqueles sem responsabilidades de governo e que se colocam em áreas mais extremas do espectro político, se aplica apenas a propor medidas avulsas. Estas podem ser simpáticas para quem delas venha a usufruir, mas são muitas vezes inexequíveis sem que causem transtornos e quebras em outras áreas da vida coletiva. A demagogia instala-se então, junto com a proposta insensata ou a exigência exorbitante. Quando esta dimensão reivindicativa é contrariada, argumenta-se então com as culpas do «sistema», afirmando-se ser este a impedir as concessões. O que em certos casos até é verdadeiro, mas será então necessário conhecer as propostas para o alterar, que não podem ser desenhadas num plano muito vago e empurrado para um futuro longínquo caído do céu. É aqui, todavia, que pode aferir-se a honestidade e o real valor de algumas campanhas. Propor a lua sem explicar como lá chegar vale menos que uma canção de embalar.

    Apontamentos, Atualidade, Democracia, Opinião.