Vinte vezes 11 de setembro

A impressão dominante que produz em muitos de nós esta passagem dos vinte anos sobre o 11 de setembro de 2001 – «esta comemoração», como de forma absurda se dizia ontem numa televisão – é a de incredulidade. Desde logo por terem passado tão rapidamente duas décadas sobre um momento que parece ter ocorrido há apenas alguns meses, mas também pelo caráter intensamente plástico do acontecimento. Cujas imagens, sobretudo aquelas que se ligam ao derrube do World Trade Center e ao intenso drama humano então ali vivido, ainda hoje contêm algo irreal, como uma ilusão cinematográfica produzida com recurso a efeitos especiais. Existe, todavia, uma outra dimensão, que remete para uma realidade agora muito presente na qual permanecemos inequivocamente mergulhados: a de um mundo inseguro, onde os equilíbrios relativamente estabilizados do tempo da Guerra Fria deram lugar a um mapa pós-apocalíptico, dentro da qual os fatores de instabilidade, de incerteza e de perigo se multiplicaram, ampliaram e todos os dias desdobram.

Uma paisagem onde o sentido principal dos grandes conflitos deixou de ser apenas o de um combate pelo domínio de regiões inteiras ou do mundo no seu todo, ou simplesmente por interesses nacionais ou transnacionais de natureza acima de tudo material – os quais, é certo, jamais deixaram de existir e de pesar -, passando a incorporar também, de um modo dramaticamente presente e constante, o domínio das consciências e a manipulação das convicções. Jogando, para obter este efeito, com o medo securitário assumido por quem gere as sociedades económica e tecnicamente mais desenvolvidas, ou com a ideia segundo a qual a premência de formas de paz regional se sobrepõe ao desejo humano de obter sociedades mais justas e mais livres. É com este medo que ainda não aprendemos a lidar, não valendo a pena meter a cabeça na areia e ficcionar uma realidade planetária equilibrada, como a saída em 1945 da Conferência de Ialta, de facto dissolvida em 1989 com a Queda do Muro de Berlim e definitivamente morta no 11 de setembro.

[Fotografia: Steve McCurry / Magnum]

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