O teletrabalho como distopia

A solução do teletrabalho é, por estes dias de crise, sem dúvida útil e uma boa alternativa para a realização de tarefas urgentes ou necessárias que não podem ser levadas a cabo de forma presencial. Ela permite também testar algumas soluções que podem no futuro ser muito positivas. Levanta, todavia, problemas vários, bastante sérios até, que não podem deixar de ser enunciados e vistos com preocupação. Eis alguns deles:

Em primeiro lugar, o ritmo do trabalho tende a aumentar, dado a prestação telemática requerer maior esforço e mais tempo de preparação. Em segundo, algumas instituições estão a abusar das exigências feitas neste domínio, procurando aproveitar para de forma pública mostrar trabalho e capacidade de inovação e adaptação, o que nem sempre será positivo.  Em terceiro, ocorre também um controlo exaustivo e uma vigilância excessiva daquilo que o trabalhador está ou não a fazer, apagando-se a imprescindível normalidade e a autonomia dos tempos mortos. Em quarto lugar, cria-se um espaço de potencial desumanização do trabalho, ao considerar-se que na atividade diária deve ir-se diretamente ao cerne do assunto, não se perdendo tempo com conversas pessoais que passam a ser julgadas supérfluas. E em quinto, ensaia-se um novo mundo do trabalho, que poderá levar a curto ou médio prazo a situações de desemprego ou subemprego, por se provar na maioria dos campos a suposta eficácia superior dos programas de controlo e atividade das máquinas.

Vale a pena pensar nisto, no sentido de se evitarem os abusos e de se procurem desde já vias para humanizar a situação do teletrabalho, não deixando que o provisório ou o auxiliar possa ser transformado em definitivo e em nuclear. Conduzindo-nos a um quadro distópico capaz de se aproximar dos descritos em 1984, de Orwell, ou em Metropolis, o romance de Thea von Harbou passado para o cinema por Fritz Lang. Partidos e sindicatos deveriam ter desde já uma palavra sobre o tema, não correndo depois apenas atrás do prejuízo. O cidadão comum deve também manter-se atento a esta eventual deriva.

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