De repente, não sei precisar em que momento, começaram a chegar-me às turmas de história contemporânea na universidade estudantes que traziam na cabeça uma grande léria sobre os «loucos anos 20». Como se a vida de toda uma década do século passado tivesse sido moldada à imagem da fruída pelo grupo diletante de Scott Fitzgerald e Zelda Sayre. Como um reverso elitista, saído da paisagem parisiense e da Riviera, do que aconteceu a milhões de humanos depois do crash bolsista de 1929. Passando para segundo ou terceiro plano aquilo que foi nesses anos a brutal exploração, as duríssimas condições do trabalho, as perseguições de natureza étnica e política e a explosão dos fascismos. Por vezes, para tentar diluir o que trazem na cabeça sobre o brilho ofuscante da vida experimentada apenas por um pequeno setor da população privilegiada de certas capitais, e para abrir espaço a uma mistura de conhecimento com consciência crítica, leio e comento este parágrafo de «A Era dos Extremos», de Eric Hobsbawm:
«Os anos 20 foram anos de prosperidade. O “american way of life” invadiu a Europa. Aos benefícios da sociedade de consumo associou-se a busca de prazer e a evasão, intensificando-se a vida nocturna. Os teatros, os cinemas, os night-clubs e outras salas de espectáculos e de jogos das grandes cidades tornaram-se locais habitualmente frequentados. As novas bebidas (cocktail), as novas músicas (sobretudo o jazz) e as novas danças (charleston, lambeth walk, swing e rumba) passaram a animar a vida nocturna. Rallies de automóveis, corridas de carros e de cavalos e outros desportos, como o futebol, constituíam outros divertimentos que envolviam grandes massas. O rápido desenvolvimento dos meios de transporte (comboio, automóvel, avião) e dos meios de comunicação (rádio, telégrafo, telefone…) acelerou o quotidiano das pessoas, favorecendo uma maior mobilidade espacial e do ritmo de vida. A moda de viajar entrou nos hábitos e prazeres das classes médias. Às viagens de negócios acrescentaram-se as viagens lúdicas, de turismo, quer no interior dos próprios países, quer para países estrangeiros, criando-se e desenvolvendo-se novas infra-estruturas para apoio destes lazeres: agências de viagens, serviços de hotelaria especializados, mapas, guias turísticos, bilhetes-postais ilustrados, etc. Paralelamente a este novo estilo de vida, o período entre as duas guerras mundiais caraterizou-se por uma latente inquietação e instabilidade nos comportamentos sociais. A paz estabelecida pelo Tratado de Versalhes, que pôs fim à 1.ª Guerra Mundial, foi uma paz aparente, já que, na Alemanha e na Itália, o nazismo e o fascismo iniciavam a sua caminhada galopante. A crise de 1929 viria a agravar essa instabilidade gerando mesmo angústias e misérias que iriam ter consequências a todos os níveis.»