A «esquerda trabalhista» e nós

Se excluirmos o PCP, que não embarca facilmente em devaneios, desde há décadas que a esquerda portuguesa mantém, em relação ao Labour britânico, uma posição de simpatia e expectativa. A proximidade do PS é natural: afinal, existe uma matriz social-democrata comum, indiretamente ancorada na velha II Internacional, tal como existe uma deriva partilhada em relação à prevalência dessa matriz ou à sua exclusão. Lembro que a emergência da Terceira Via e de Tony Blair reuniu, no PS português, muitas vozes entusiásticas – enfim, tanto quanto os seus prosélitos se conseguem entusiasmar – e outras claramente críticas. Já a «esquerda mais à esquerda», nas suas diferentes modalidades e variantes orgânicas, desenvolveu uma atitude menos ambígua. Recusando, naturalmente, as direções do Labour, ao contrário do que aconteceu em relação à realidade política espanhola, francesa, italiana, alemã ou grega, não procurou na Grã-Bretanha a fraternidade exemplar de movimentos «irmãos», fixando-se, por longos anos, numa quase-mítica «esquerda do Partido Trabalhista». Vista sempre, com esperança e afeição, como a guarnição do Cavalo de Tróia pronta a tomar a fortaleza.

Pois parece que as portas foram inesperadamente franqueadas e essa mítica conquista do Santo Graal trabalhista aparenta ganhar alguma substância. As reações dessa mesma esquerda nacional têm-se entretanto revelado curiosas. O PCP praticamente não tece comentários, pois não considera existir social-democracia boa e social-democracia má, não confiando em qualquer delas para outra coisa que não umas quantas conversas de ocasião. O PS divide-se, entre aqueles que simpatizam com a tomada do poder pela esquerda do Labour, protagonizada por Jeremy Corbyn, e os outros, que incapazes, na sua atávica desconfiança em relação a mudanças bruscas e a «radicalismos», anteveem já, quando não desejam com ardor, a sua desgraça política. Quanto a boa parte da «esquerda da esquerda», e em particular ao BE, mantém a sua posição de esperança e expectativa. O que faz todo o sentido. Só não se compreende porque aceita a capacidade de remissão do Partido Trabalhista britânico, ainda há pouco considerada rigorosamente impossível, enquanto sistematicamente encosta o PS português à direita, olhando-o, ressalvando uma mão cheia de idealizados «socialistas honestos», como definitivamente irrecuperável para uma solução política de esquerda. Uma explicação convincente não será fácil.

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