A condessa Violet e o PS «de direita»

O primeiro episódio da mais recente série, a quinta, da excelente Downton Abbey, decorre em 1924, quando o Reino Unido elegeu o primeiro governo trabalhista chefiado por Ramsay MacDonald. Nessa época ainda ninguém sonhava com o aparecimento de um Tony Blair de «terceira via» e o Labour desfilava muito à esquerda. Por isso, a transformação política que tal implicava trouxe grande perturbação à aristocrática mansão, com enormes discussões que envolviam os Crawley e a gente da classe média que frequentava a casa, o mordomo Mr. Carson (em qualquer circunstância o mais conservador de todos) e a cada vez mais impertinente criadagem. A dada altura, quando o debate se estendeu à mesa de refeição dos donos da casa, a velha condessa Violet (Maggie Smith), uma das personagens mais interessantes da série, tem uma tirada (mais uma) muito engraçada. Ao comentar a suposta inevitabilidade da revolução russa de 1917, evocada como sinal da irreversível mudança do mundo, declara-a incompreensível, pois tinha estado na Rússia em 1874 e não vira «sinal algum de instabilidade».

Algo de idêntico se passa na cabeça de muitas das pessoas que, em Portugal, empurram o Partido Socialista, qualquer que seja a sua direção ou tendência do momento, para a mesma perspetiva que dele tinham os portugueses que se posicionavam à sua esquerda durante o biénio revolucionário de 1974-1975. Já passaram quarenta anos sobre o período, quase tantos quanto aqueles que haviam separado a Revolução de Outubro da viagem à Rússia da condessa Violet, e continua a circular, junto de um bom número de cidadãos, que a prova provada do caráter irreformável e inapelavelmente «de direita» do PS é o facto deste, principalmente durante o verão de 75, se ter oposto à instalação de um regime revolucionário totalmente avesso à instauração da democracia representativa. A realidade é hoje totalmente outra, os dilemas que se colocam aos cidadãos muito diversos, os bloqueios de uma diferente natureza, mas para alguns setores, enquanto os socialistas não aceitarem fazer a autocrítica e rever a narrativa da sua participação na história recente do país, aceitando pôr de parte alguns dos seus princípios fundadores, continuarão a carregar às costas o fardo do seu pecado original. Com eles não há conversa e ponto. A vida por viver não passa por aí.

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