Mentiroso compulsivo

Adolf Eichmann

Agora que assentou um pouco de poeira sobre a efabulação de José Sócrates a propósito da sua memória do Portugal-Coreia do Norte de 1966 e da atuação de Eusébio nesse jogo, já posso contar um pequeno episódio ocorrido comigo. Durante anos garanti, sem qualquer sombra de dúvida, que a minha recordação mais recuada da visão da morte de alguém se relacionava com a execução em Jerusalém, a 1 de Junho de 1966 (de novo 66!) de Adolf Eichmann, o tenente-coronel das SS cujo processo Hannah Arendt imortalizou. Mais: jurei durante décadas e a pés juntos que a execução fora por eletrocussão e tinha sido transmitida em direto pela televisão. Fi-lo convicto de me lembrar perfeitamente de tudo aquilo. Era mesmo capaz de descrever ao pormenor as impressões mais fortes que vivera no momento e que me haviam «marcado». Só muito depois pude saber que a execução do criminoso nazi tinha ocorrido afinal em Ramla, que fora por enforcamento e que não, de modo algum fora transmitida em direto ou em diferido pela televisão. Dispenso-me de comentar os motivos de tamanha confusão na cabeça do antigo puto de calções que, provavelmente como Sócrates, então eu fui. Devo ser um mentiroso compulsivo e sem remissão, Deus me perdoe. [E não é que menti de novo! Em Junho de 1966 já não usava calções.]

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