Desmantelando fronteiras

O que pode aproximar num manifesto comum pessoas com trajetos políticos tão diametralmente opostos como aqueles protagonizados pelos deputados europeus Daniel Cohn-Bendit (n. 1945), antigo libertário e atual copresidente do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, e Guy Verhofstadt (n. 1953), do Grupo Democrata e Liberal, primeiro-ministro da Bélgica durante quase uma década? De forma condensada mas nem por isso mutilada, pode responder-se a esta pergunta falando de uma constatação e de uma proposta. A constatação é imposta por uma imagem que hoje poucos terão coragem de negar: «a Europa é um edifício que vacila nos seus alicerces», imersa numa crise profunda e assustadora, simultaneamente económica, demográfica, ecológica, política e institucional, pela qual europeu algum passa incólume e que questiona um paradigma de desenvolvimento, de bem-estar, de cooperação e de liberdade que ainda há pouco parecia robusto e irreversível.

Já a proposta, apesar de controversa e de ainda encrespar muitos e ferozes opositores, parece começar a fazer o seu caminho: a rejeição do «umbiguismo institucional» dos Estados-Nação e a assumida construção – como diz Verhofstadt na entrevista com Jean Quatremer também incluída neste pequeno livro – de «uma Europa federal pós-nacional» associada a um projeto político que contemple esta dimensão. Uma Europa capaz de defender os povos do Velho Continente dos apetites de potências emergentes ou consolidadas como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia ou os Estados Unidos, e que, para ambos, «não tem nada de miragem». Os dois eurodeputados consideram, aliás, não existir alternativa ao afastamento do espetro nacionalista e à adesão ao projeto federalista que não passe por um aprofundamento brutal e catastrófico da crise. Vale a pena tomar conhecimento das suas razões, uma vez que neste momento tudo está em jogo e em cima da mesa.

Daniel Cohn-Bendit e Guy Verhofstadt, Pela Europa! Manifesto por uma revolução pós-nacional na Europa. Trad. de Alberto Gomes e Manuel Alberto Vieira. Presença. 160 págs. Versão revista de artigo publicado na LER de Março de 2013.

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