Que viva Brega

Voluntários

A magnífica reportagem de Paulo Moura saída hoje no Público revela-nos a nova paisagem humana de Brega. Quase a de uma cidade mexicana recém-ocupada pelas companhias desordenadas mas generosas dos exércitos de Villa ou de Zapata. No Libération, de hoje também, um artigo do enviado Jean-Pierre Perrin desvenda um cenário idêntico de confusão, improviso e coragem. Vale a pena ler um pedaço para tentarmos tocar a bravura irracional mas admirável destas pessoas.

Parece que a revolução líbia se disfarçou de western spaghetti. Um ambiente saturado de poeira de cidade de fronteira, tal como a imaginaram Sergio Leone e Sam Peckinpah: uma única estrada aberta sobre o deserto, pequenas lojas com as portas fechadas, sem excepção, e, espalhados pelo caminho, circulando por entre pilhas de detritos, cachos de combatentes disfarçados de soldados.

Os uniformes são os mais bizarros: a roupa civil mistura-se com adereços supostamente militares, bonés de esqui, particularmente apreciados, alternam com capacetes de explorador, os dólmanes seguem modelos de todos os tipos. Sabemos que na terça-feira aconteceu um combate – a oposição fala de batalha – porque o chão se encontra pejado de invólucros. Nos quatro cantos da localidade, as pic-ups vigiam levando sobre a caixa aberta metralhadoras antiaéreas ou canhões anticarro. Em frente ao cibercafé Novo Mundo, uma dezena de soldados, armados de kalachnikov e de lança-foguetes, descansam deitados sobre caixotes de munições abertos a golpes de chave de fendas. Visivelmente, para a maioria deles a guerra é uma profissão nova. Um combatente vestiu o seu colete antibalas ao contrário. Um ou outro olha pelo lado errado a mira do seu lança-mísseis SAM 7. (…) A maior parte das fardas foram pilhadas nas casernas de Benghazi ou de Ajdabiya. Alguns trazem até distintivos. Asas de pára-quedista decoram peitos de homens que nunca entraram num avião.

(…) Este exército de umas dezenas de homens, reforçados por habitantes das redondezas, é essencialmente composto de voluntários. Como Siraj Ben Ahmad, de 27 anos, gerente de uma sociedade comercial, que veio de Benghazi. «Eu nem sequer sei pegar numa arma. Por isso ajudo como posso, passo as munições ou vou buscar comida», afirma ele. Um pouco mais velho, também ele originário daquela cidade, Yahyia Morit controla uma bateria antiaérea. «Tive um dia de formação em Benghazi. Ontem ainda, eu era farmacêutico. Hoje, porque acredito na liberdade, tornei-me um atirador», diz sem se rir.

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