As Líbias do Manuel

O microfone

Não sendo um traço «tipicamente português», sabemos como o grau de despolitização da maioria dos nossos compatriotas é, pelo menos em termos europeus, bastante elevado. Lêem-se poucos jornais, discute-se menos, o share dos telejornais é baixíssimo e existe uma cultura do desinteresse, de raiz salazarista, que molda ainda os comportamentos. De tão distendida no tempo, é provável que tenha transmutado também os nossos genes. A falha nota-se sobretudo a propósito das questões do nosso tempo que comportam uma dimensão transnacional. Para muitos dos nossos compatriotas, elas podem até ter reflexos no comportamento sideral dos anéis de Saturno, mas jamais ecoarão no seu quintal. Apesar de nos tempos que correm os jornais, a televisão, a Internet e até a nossa conta bancária nos avisarem a todo o momento de que tudo tem a ver com tudo e de que, por mais voltas que possamos dar, não podemos fugir a esse fado.

A ingenuidade e a ignorância são ainda mais chocantes quando afectam pessoas que por dever de ofício deveriam manter-se informadas sobre os terrenos que pisam. É de facto impressionante o grau de desconhecimento das condições políticas que têm preservado os seus postos de trabalho, e o nível de insensibilidade em relação às pessoas com as quais partilham boa parte das suas vidas, evidenciado pela generalidade dos empresários e dos trabalhadores portugueses em missão na Líbia – os turistas têm alguma desculpa – que estão a ser ouvidos pelos telejornais como testemunhas privilegiadas da revolta anti-Kadhafi. Quase invariavelmente, falam do que está a acontecer no país onde trabalham como se tudo não passasse de um rol de desavenças burlescas entre indígenas, que depois de passarem lhes devolverão intacto o país no qual têm governado a vidinha. Existe, de facto, ainda quem alimente o estereótipo do Manuel Padeiro, o tuga ignaro das coisas do mundo para quem tudo se resume ao cálculo simples do deve e do haver e à rota certa do casa-trabalho-casa. Estão no seu direito, claro, mas é patético vê-los convertidos em comentadores idóneos. Francamente, antes um daqueles geopolitics experts que jamais passam o limiar do previsível.

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