Silêncio romano

Silêncio

Os anticlericais mais impenitentes têm-se divertido bastante com a recente revelação em catadupa de casos de abuso de menores ou de práticas de exploração e comércio sexual levadas a cabo, durante décadas, por um número indeterminado mas seguramente alto de membros do clero católico. Claro que, neste como noutros casos ocorridos com a Igreja romana, a procissão jamais sairá do adro. Ao longo de séculos, a sexualidade ínvia determinada pelos Padres da Igreja, que encaravam o sexo como um mal necessário, apenas admissível por ser indispensável à reprodução da espécie, bem como a prática compulsória do celibato, ambas associadas a posições de poder e de influência sobre pessoas, terão contribuído para atribuir a tais práticas uma natureza inevitavelmente endémica e continuada da qual jamais será possível conhecer a verdadeira dimensão. No entanto, nem todos os casos podem ser avaliados do mesmo modo: uma coisa são os abusos, desejavelmente denunciados e eventualmente punidos, outra são as legítimas escolhas de cada um daqueles homens e daquelas mulheres para viverem a sexualidade que jamais deixaram de possuir. O que não está a ser devidamente realçado é, por isso, a dimensão de hipocrisia que preside à convivência entre este tipo de situações e a atitude formal da suprema hierarquia da Igreja católica: existem com toda a certeza dramas intensos de infelicidade e de solidão, vividos por pessoas obrigadas a habitar uma vida inteira com os seus fantasmas e as suas secretas fantasias, das quais Roma e os seus representantes jamais falarão com clareza e verdadeiro arrependimento.

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