Analfabetismo funcional

António Guerreiro escreveu há dias numa crónica para o Ípsilon, que «o analfabetismo funcional, próprio das classes baixas», é agora «parte da panóplia de atributos das chamadas elites». É verdade que Guerreiro se serviu da frase para tratar um tema muito objetivo – o significado simbólico do padrão de linguagem utilizado nas caixas de comentários das edições online dos jornais – tendo em conta a incorporação, por parte de certos responsáveis editoriais, de alguns dos valores, dos códigos e das palavras utilizados por pessoas maioritariamente semiletradas e sem grande capacidade analítica. Intervindo naqueles espaços, elas têm agora direito a uma palavra que ali lhes estava vedada, a um espaço que não fazia parte do seu universo de comunicação, rebaixando ou impedindo qualquer debate mais complexo e fundamentado. Vou servir-me da ideia ampliando o seu alcance como chave interpretativa de uma outra situação.

Ao contrário do que aconteceu no passado, em particular nos anos 70, quando certos setores da esquerda se serviram da linguagem das «classes baixas», simplificando o discurso público para se aproximarem dos setores sociais que pretendiam dirigir e mobilizar – atitude que não desapareceu de todo mas que está hoje mais circunscrita –, é agora a direita que nos governa, associada a jornalistas e a cronistas de alguma imprensa muito pouco independente, que rebaixa o padrão do discurso, recorrendo mesmo ao jargão populista para mais eficazmente impor a narrativa única. Para esvaziar toda a crítica capaz de demolir essa «ordem das coisas» que pretende mostrar como inquestionável, inevitável e eterna. O recurso a um discurso medíocre, banal e próprio de pessoas com escassas leituras e fraca formação académica, que o atual governo protagoniza – tendo o seu pouco ilustrado primeiro-ministro como exemplo maior – é agora um claro sinal desse «analfabetismo funcional» protagonizado por maus alunos alçados no poder e autotransformados em «elite». Gente que usa uma oratória oca, simplista e demagógica, demonstrativa da sua própria vacuidade, da qual se serve para iludir o povo e impor a sua autoridade simbólica.

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