25 de Novembro: o que foi e o que não foi

Em 25 de Novembro de 1975 eu tinha chegado de Angola havia três semanas. Ali participara como militar, desde janeiro, na transição para a independência. O meu «Verão Quente» foi, pois, de facto em Luanda. Mas acompanhei todo o processo diretamente, lá e cá, porque era politizado, porque me mantinha informado, e porque militava então numa organização da esquerda revolucionária. Por estes motivos, recordo bem que, já em Portugal, vivi aquele dia de sol de outono com um sentimento de luto: tinha a consciência de que ele representava uma viragem na democracia portuguesa, e de quem muito provavelmente significava o fim de um projeto incompleto, mas belo, solidário e igualitário, no qual acreditava. Senti-me muito triste, sem dúvida, com aquele «fim de festa».

Todavia, mantive-me atento aos acontecimentos, rapidamente percebendo que quem saíra vencedor dos episódios daquele dia conturbado não foi a direita – a extrema-direita estava então confinada a um buraco bem fundo e não se via -, mas sobretudo o Partido Socialista e o Grupo dos Nove, ala moderada do MFA composta por pessoas democratas que, à escala de hoje, seriam praticamente de «extrema-esquerda». De facto, o que saiu do 25 de Novembro foi a confirmação da democracia representativa como modelo para Portugal, o que viria, aliás, a ser consagrado com a aprovação, em abril de 1976, na Assembleia Constituinte, da nova Constituição da República. Prova, aliás, de que a direita nada teve de vitoriosa foi a recusa imediata da ilegalização do PCP, que aquela desejava.

Basicamente, o 25 de Novembro foi isto, garanto. Vir agora a direita com a descrição de feitos e de glórias que não cumpriu, e de um sentido político que jamais existiu, é demagogia da grande e puro oportunismo. Para quem tem a obrigação, porque era já adulto, de ter alguma memória daquele tempo, e o afirma, se não está senil exibe uma prova provada de confusão da memória ou então uma visível má-fé traduzida na formulação de uma grande mentira hoje utilizada para fins bem visíveis. Que seja denunciada, pois. Quanto a quem nasceu depois e não pode recordar aquele tempo, a recomendação é que estude um pouco. Começando, por exemplo, pelos jornais da época, pois está lá quase tudo.

Rui Bebiano

    Atualidade, Democracia, História, Opinião.