O triunfo (temporário) das pessoas amargas 

Animal Farm, o romance de George Orwell saído em 1945, foi divulgado em traduções portuguesas como O Triunfo dos Porcos. A trama conta como a revolta dos animais de uma quinta contra os humanos, destinada a emancipá-los da opressão que os escravizava, acabou por transformar a vida de todos em nova e terrífica ditadura. O livro constitui uma paródia do estalinismo e das revoluções em que o anúncio do fim da opressão e do início da igualdade acabou substituído por novas formas de tirania e injustiça. A presente paisagem política global suscita uma analogia com o título da obra em português.

Estamos, de facto, a viver um tempo de afirmação de projetos políticos contrários aos que em boa parte do planeta foram dominantes nos «Trinta Anos Gloriosos». A expressão, avançada em 1979 pelo demógrafo Jean Fourastié, tem sido usada para designar o período, vivido entre 1945 e 1975, em que na maioria dos países industrializados teve lugar um forte crescimento económico e demográfico, com o crescimento da classe média, o aumento da produção e do consumo, o alargamento dos direitos sociais e cívicos, uma ampliação do sentido do coletivo, e, em articulação com a nova cultura juvenil, a expansão de uma conceção otimista, libertária e lúdica da vida.

Nos anos 80, todavia, tudo isto começou a ruir, no contexto de um tempo a que Gilles Lipovetsky chamou «a era do vazio». Referia-se o filósofo a uma realidade pautada pelas dinâmicas do capitalismo neoliberal globalizado e pelo individualismo mais extremo, em que a esperança dava lugar à descrença, as ideologias do progresso eram assaltadas pela obsessão do lucro, a noção de um caminho afirmativo da história era trocada pelo pessimismo, e o valor do interesse coletivo e da esfera pública estavam a ser substituídos por um «salve-se quem puder» egoísta, narcísico e contrário aos direitos humanos.

Este novo ambiente tornou-se favorável à afirmação de um padrão de personalidade antes em regra reputado como nocivo. Aquele alimentado pelas pessoas amargas, ou negativas, sempre egoístas, que todos conhecemos das nossas vidas e sempre procuramos afastar. Aquelas para quem tudo está mal, que apenas se vitimizam, que passam o tempo a julgar os outros, que rejeitam as boas intenções, que destilam veneno, esgotando a paciência e a energia de quem delas viva próximo. No geral, elas alimentam ambientes de insatisfação, rancor e conflito, num caldo de cultura ideal para as correntes populistas e de extrema-direita que hoje procuram destruir as democracias e alcançar o poder. 

A sua influência crescente, o cerco que impõem, tem sido essencial para afirmar as tendências autoritárias e defensoras da desigualdade, acabando até por influenciar as correntes democráticas e progressistas que se lhes opõem, que têm caído no logro de se centrarem no combate à vertigem de ódio, do embuste e do desânimo. Foi o combate contra essa tendência negativa e desanimadora que deu o mote à campanha otimista e objetiva do democrata socialista Zohran Mamdani, levando-o a vencer confortavelmente as eleições para mayor de Nova Iorque. Mostrando também que o triunfo das pessoas amargas será sempre temporário.

Rui Bebiano

Fotografia: Incolourwetrust
Publicado no Diário As Beiras de 15/11/2025

    Atualidade, Democracia, Olhares, Opinião.