Uma das caraterísticas práticas do fascismo italiano, ilustrada em livros de história e textos memorialísticos, mas também exposta em muitos romances e filmes, traduziu-se na distribuição de cargos, ao nível local e regional, por figuras medíocres e oportunistas – muitas delas antes objeto de desprezo e sem qualquer perfil moral – que através do Partido Fascista eram promovidas e passavam a dispor de poder, agindo de uma forma discricionária e tantas vezes cruel. Faziam-no porque, na sua estreiteza e falta de preparação, consideravam que era esse o único modo de exercer a autoridade de que estavam investidas, perpetuando o estatuto social a que ela conferia direito. A fidelidade a Mussolini e ao partido era total, pois nela residiam a sua força e a sua legitimidade.
Algo de semelhante ocorreu na União Soviética quando o poder caiu nas mãos da clique estalinista. Principalmente durante as grandes purgas levadas a cabo entre 1936 e 1938, os militantes bolcheviques mais experimentados, com décadas de luta contra o czarismo e pela vitória da revolução socialista, foram afastados e mortos, estimando-se que o seu número tenha rondado 1,2 milhões. Foram substituídos, do topo à base, por quadros muito jovens, em regra impreparados – alguns eram até semianalfabetos – a quem foi conferido, sobretudo ao nível regional e local, um poder quase ilimitado. Poder inevitavelmente exercido de forma errática e sem limite moral. Sempre, mas sempre, numa posição de subordinação completa à figura de Estaline, às suas decisões e ao seu quadro ideológico.
Não deixa de ser curioso olhar estes exemplos e verificar o padrão de pessoa que entre nós integra um partido como o Chega. Olham-se os seus candidatos autárquicos, investiga-se o seu trajeto e experiência, e quase apenas se encontram arrivistas sem reconhecimento público, possuindo em comum, a disfarçar a incompetência, a afirmação dos valores básicos de hostilidade, ódio e ausência de empatia impostos pelo seu pequeno quadro dirigente. Neste vínculo encontram o modo de obter uma ascensão social que de outro modo jamais teriam. Contrariamente aos exemplos anteriores, não articulam a sua afirmação com um partido de poder sob um regime tirânico, mas a semente que produz os seus executantes é análoga. São candidatos, como refere uma eloquente expressão madeirense, a vilões com a chave da retrete.