Mais duas notas pós-legislativas

Antes ainda de um artigo mais extenso e fundamentado, a publicar na semana que vem, duas notas rápidas sobre um par de preocupantes tendências em circulação após as eleições legislativas de 18 de maio.

1 – Configura-se a fortíssima possibilidade de José Luís Carneiro, candidato derrotado nas eleições internas de 2023, ser o próximo secretário-geral do Partido Socialista. A lógica que parece emergir neste contexto é a de escolher uma personalidade «moderada», supostamente capaz de dialogar com o PSD e de estabelecer algumas pontes com aquela parte do eleitorado socialista que debandou para a AD e mesmo para o Chega. É natural que nas atuais circunstâncias políticas, e em nome da defesa do regime e da Constituição, o PS precise chegar a acordos à sua direita e à sua esquerda, mas não o pode fazer sem mostrar uma mensagem própria, forte, progressista e mobilizadora, que obviamente Carneiro não protagoniza, e sem um rosto carismático, essencial atualmente, por muito que não se goste da ideia, para vencer eleições e segurar governos. Uma solução desta natureza conduzirá o partido a seguir as pisadas dos seus congéneres francês e italiano, rumo à irrelevância e deixando um vasto campo aberto à direita e à extrema-direita.

2 – Perante os resultados que os penalizaram fortemente, está a desenvolver-se entre um grande número de pessoas de partidos situados à esquerda do PS – não nas suas direções, mas entre bastantes militantes, simpatizantes e eleitores, em especial no zona negra e a céu aberto das redes sociais – uma atitude de menosprezo e até de desconsideração pelo «povo» ou pelos «portugueses» que não votaram exatamente como eles. Tenho encontrado de tudo, como afirmar-se que «têm aquilo que merecem» ou são «burros», e até já li que justificam que o Chega chegue ao poder, para «ver como elas mordem». A deceção é compreensível e também a partilho, mas este tipo de afirmação traz ao de cima uma lógica tristemente presente na história da esquerda. Segundo esta, evita-se a genuína autocrítica e defende-se, perante a incompreensão de muitos cidadãos, a imposição pela força, top-down, das «escolhas justas». Sabemos o que esta atitude autoritária causou no passado, e não me parece, nem a brincar, solução aceitável para quem defenda o regime democrático constitucional. O combate a desenvolver requer antes reflexão, abertura, humildade e firmeza. E, como lembra J. Pacheco Pereira, um aturado combate contra a desesperança, a solidão e a ignorância, pastos do ressentimento social.

Rui Bebiano

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