«Pegada digital», vida pública e solidão

A rápida transformação nos processos de comunicação que teve lugar nos últimos trinta anos, associada ao papel dos meios eletrónicos, determinou alterações bruscas e extremas nas diferentes formas de qualquer de nós se relacionar em sociedade. À distinção tradicional entre os que procuravam o reconhecimento pessoal e o das suas ideias, e aqueles que preferiam viver no completo anonimato, juntou-se um campo híbrido intermédio e em constante expansão: o daqueles que, tendo ou não produzido «obras valerosas», podem ser escutados por bom número dos seus semelhantes.

Na rede de computadores, a «pegada digital» de cada pessoa vai produzindo um rastro que não tem precedentes na forma como cada humano foi ao longo da vida deixando as suas marcas. Esse rastro é complexo e traçado de uma forma disseminada no curso do tempo; todavia, nem sempre é aquele que cada um gostaria de transmitir ou de deixar de forma pública. Na verdade, fazê-lo de uma forma ao mesmo tempo ampla e depurada, inteiramente controlada pelo próprio, sem lugar a erros e hesitações, é praticamente impossível, como o é percorrer um caminho sem deixar um rastro de boas e más escolhas.

Ao mesmo tempo, as possibilidades conferidas pelas atuais facilidades dos meios de comunicação, se bem que tornem muito mais complexas as vantagens e bem mais numerosos os riscos que estes sempre integraram, estão a criar uma fronteira que separa quem detém, ainda que em diferentes volumes, essa «pegada digital», e quem contrariamente a não possui. Aqui encontra-se quem não detém os necessários meios materiais e uma dose mínima de conhecimento para assegurar essa presença, mas também quem se encontra nessa situação por escolha própria. 

São as pessoas que pouco usam e-mail e não têm conta nas redes sociais, que se servem de pseudónimos, quem jamais deixam acessível uma fotografia, uma opinião ou marcas, ainda que mínimas, da sua biografia pessoal e profissional. Nesta situação, e no limite, encontramos então homens e mulheres que, tendo interesse em interagir em determinados meios ou com a sua comunidade de origem, e gostando de algum reconhecimento, na verdade são inexistentes fora dos meios estritamente analógicos. A sua marca é praticamente nula e quando desparecerem o seu percurso desvanecer-se-á rapidamente.

Estão no pleno direito de o desejar, é claro. Mas permanecerão sempre mais sozinhas, para além de, fora do seu círculo mais imediato, não verem reconhecidos o seu trabalho, as suas escolhas e as suas convicções. Queremos saber algo sobre elas, sobre quem são e o que fazem, ou quem foram e o que fizeram, sobre o mundo que habitam ou por onde caminharam, algumas vezes queremos mesmo contactá-las de forma direta, e os motores de pesquisa da Internet fecham-se em copas, tornando-as definitivamente distantes ou mesmo invisíveis.

[imagem de domínio público]

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