Cheias: ditadura e democracia

Quem mora na região de Lisboa está a sentir com especial gravidade, também devido à concentração populacional, os efeitos desta chuva intensa e que não para, mas grande parte do país vive idêntico problema. Após largos anos de seca, com aguaceiros intermitentes, tínhamos esquecido por cá o poder das verdadeiras tempestades. Tento recordar um temporal destes em Portugal e preciso recuar até aos anos 70, para recuperar algo assim. Os meteorologistas é que têm os dados certos, mas é esta a imagem que tenho.

Pior: lembro-me do tempo, antes do 25 de Abril, em que as populações mais pobres e que viviam em áreas menos protegidas viam com regularidade, nestas alturas, morrer pessoas e as suas condições de sobrevivência destruídas. Como aconteceu em particular nas cheias de novembro de 1967, que Salazar tentou esconder e proibiu de noticiar, e que precisou da solidariedade de estudantes universitários e outros populares, que então se dispuseram a ir para o terreno e a ajudar quem precisava dramaticamente que alguém lhe desse uma mão solidária.

Temos agora muito por fazer. Houve, sem dúvida, descuido em relação ao cuidado com estruturas não preparadas para tal volume de águas, e aconteceu também algum esquecimento de cheias passadas e dos seus efeitos. Mas é preciso distinguir uma catástrofe natural diante da qual somos informados e se tomam as providências possíveis, de uma desgraça em que grande número de cidadãos era abandonado à sua sorte. É, também aqui, a grande diferença entre democracia e ditadura.

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