A direita portuguesa do pós-25 de Abril teve, na sua matriz, algo que faz com que a sua atual aproximação em relação às propostas e ao discurso da extrema-direita não sejam de todo inesperadas. Na verdade, com exceção de escassas e isoladas escolhas pessoais, jamais tivemos uma direita organizada e politicamente fundamentada como aquela que existiu, e ainda existe, na França, na Grã-Bretanha, na Itália, na Alemanha ou nos países escandinavos. Uma direita neoliberal, mas vinculada aos princípios essenciais da democracia cristã, do personalismo, ou mesmo do liberalismo humanista, que foi sempre, sobretudo a partir do pós-Segunda Guerra Mundial, democrática e multilateralista, mesmo quando contestou o estado social e defendeu políticas que puseram em causa direitos adquiridos e formas de igualdade e de solidariedade.
Na verdade, quem tenha memória do que foi o nosso país político real nos primeiros anos da democracia, sabe como a generalidade dos quadros locais, e até nacionais, dos partidos que então eram considerados de direita – em especial, o PPD/PSD e o CDS – era composta por pessoas que escasso tempo antes haviam pertencido ao partido único, a Acção Nacional Popular (ex-União Nacional), ou dele estavam socialmente próximas. Conheci muitos desses quadros, estruturalmente pessoas retrógradas, autoritárias e com forte comportamento classista, que, no contexto da democratização, aderiram formalmente ao novo sistema, reconhecendo que não era possível voltar atrás e optando então por combater contra os ideais progressistas e de esquerda que continuavam, de facto, a abominar. Tratou-se, em larga medida, de um «oportunismo em massa», que se incorporou no novo regime sem que quem o exibia tivesse deixado de ser quem era.
É nesta tradição que se integra, ainda hoje, parte muito significativa da nossa direita «democrática», que nada tem a ver com aquela que, na origem da sua suposta família, combateu os fascismos e teve políticas sociais de mérito, incluindo aquelas que diziam respeito ao reconhecimento dos direitos das comunidades de imigrantes. Por este motivo, em nada pode admirar que os seus atuais representantes convivam sem hesitações com posições racistas, xenófobas, isolacionistas, desvalorizadoras do humano, de pacto com tiranos e ditadores, que são despudoradamente exibidas pela extrema-direita. Afinal, é algo que, como diz a expressão popular, «lhes está na massa do sangue». No novo contexto políticos nacional e mundial, já não precisam de usar máscara.
Rui Bebiano