Ninguém é apenas admirável

Pelo que conheço da espécie humana, concordo plenamente com a frase de Franco Basaglia «de perto ninguém é normal», tantas vezes atribuída a Woody Allen ou a Caetano Veloso. O mesmo se aplica às pessoas que, em abstrato, e sobretudo quando desaparecem, consideramos admiráveis. Pelas circunstâncias e pela extensão da minha vida, conheci de perto largas centenas de homens e mulheres notáveis, hoje já fora desta vida, que, quando partiram – e mais agora com a facilidade das redes sociais – foram logo associados apenas ao que de melhor foram fazendo. E, todavia, sabendo o que sei (e vi) de muitas delas, vejo como tantos elogios são por vezes exagerados ou até de todo imerecidos.

Um livro de Paul Johnsom, Intelectuais, saído em 1988 e traduzido entre nós, vinte anos depois, pela Guerra e Paz, fala-nos, de uma maneira muito documentada, de como, pessoas com obra feita, e sob muitos aspetos notável, que influenciaram tantas vidas, como Rousseau, Shelley, Marx, Ibsen, Tolstoi, Hemingway, Brecht, Russell, Sartre e vários outros, foram em privado tantas vezes seres simplesmente horríveis, ou com atitudes detestáveis, ou ainda, no mínimo, gente a quem jamais emprestaríamos a chave de nossa casa para irem lá guardar a trouxa. Sabendo disto, e tendo algum sentido autocrítico, por mim, quando desaparecer, aviso desde já, prefiro que comentem «apesar de tudo, não era mau tipo».

    Apontamentos, Etc., Olhares.