A vida da democracia de modo algum se esgota no sistema representativo e nas eleições para os seus órgãos. Precisa ser praticada e ampliada todos os dias e em todos os espaços, não se limitando, por isso, ao ato de eleger. Todavia, e apesar das suas imperfeições, este permanece essencial como modo de aferição das escolhas políticas de cidadãos e cidadãs, e forma de escolher os rostos que dão corpo à soberania. Onde não existem eleições, ou onde elas são manipuladas, não existe democracia, mas fraudes que favorecem a tirania. Por este motivo, e também porque não o fazer é abdicar de ter voz própria, é imprescindível votar, ainda que quem o faz possa não se rever plenamente em qualquer das escolhas presentes no boletim de voto.
Tendo participado nas eleições fraudulentas de 1969 e de 1973 – como simples ativista, pois ainda não tinha idade para poder votar –, em democracia jamais deixei depois de exercer este direito. Sempre por razoável convicção, embora sem vínculo partidário e, apenas por duas vezes, sob a forma de voto útil. Desta vez não será o caso, pois, após em 2012 ter sido um dos subscritores do Manifesto para uma Esquerda Livre, e de em 2015 ter sido candidato independente por este partido, no início de 2024 me tornei seu membro. É então nesta qualidade – associada à independência crítica, ética e política da qual jamais prescindirei – que nestas eleições legislativas de 18 de maio apelo ao voto no Livre.
Porque o faço? E o que distingue este partido dos demais que se situam num lugar político à esquerda do Partido Socialista? Existem no Livre, naturalmente, muitos pontos em comum com outros partidos de esquerda, incluindo com o PS, bastando, para o aferirmos com clareza, olhar os seus seis princípios fundamentais: universalismo, liberdade, igualdade, solidariedade, ecologia e europeísmo. É com base nestes, e fundado nas aproximações que eles permitem, que o Livre tem defendido uma colaboração no quadro amplo da esquerda e do progresso social. Todavia, existem oito aspetos práticos em relação aos quais é de facto singular.
Em primeiro lugar, o Livre é o único no espetro da esquerda que assume claramente a necessidade de um entendimento, no respeito pela identidade de cada um deles, dos diversos partidos parlamentares do arco da esquerda, neles necessariamente incluindo o PS. Em segundo lugar, é também o único que, à esquerda deste partido, se assume como europeísta, ainda que reconheça a necessidade de levar a cabo importantes combates políticos e sociais dentro da União Europeia. Em terceiro, aspeto determinante no tempo que vivemos, o Livre é o único que defende uma política europeia de defesa e segurança autónoma, crucial no contexto da atual afirmação imperial e agressiva dos Estados Unidos e da Rússia.
Neste mesmo quadro, e em quarto, o Livre é o único que defende o apoio incondicional à Ucrânia agredida por Putin, propondo uma solução de paz que de modo algum corresponda à capitulação do povo ucraniano. Em quinto lugar, defende o reconhecimento imediato por parte de Portugal do Estado da Palestina, recusando, em simultâneo, as políticas do Hamas e as do atual governo de Israel, e defendendo a solução pacífica dos dois Estados. Já em sexto lugar, propõe uma atenção muito particular no campo da ecologia e da ação ambiental, sendo, neste domínio, o partido de esquerda que mais longe tem agido e continuará a agir, em articulação, aliás, com as propostas do Partido Verde europeu.
Em sétimo lugar, o Livre defende uma conceção muito ampla do conceito de liberdade, que passa não apenas pela defesa da liberdade de expressão e do pensamento individual, seja em Portugal ou em qualquer parte, mas também a liberdade para ter trabalho e salário justo, para levar uma vida pessoal satisfatória, para viver numa habitação digna, para fruir de uma saúde e de uma educação plurais e abertas, para conviver com uma ciência ao dispor do desenvolvimento coletivo. Por último, em oitavo lugar, e de uma forma mais estrutural, o Livre é o único partido de esquerda que dispõe de uma ampla democracia interna, iniciando os seus combates pela liberdade e pela transparência pela própria casa.
Julgo ter, ainda que de forma sintética, mostrado por que motivos é o Livre, como se diz na conhecida canção de Sérgio Godinho, «diferente dos outros». E com propostas e práticas realmente próprias.
Rui Bebiano
Programa eleitoral do Livre aqui: https://partidolivre.pt/wp-content/uploads/2019/04/ProgramaV1.pdf