Esperar desesperando

Fot. Paulo Pimenta / Público
Fot. Paulo Pimenta / Público

Encontrei na semana passada uma amiga brasileira que não via há algum tempo. M. vivera uma época em Portugal, que então percorrera de uma ponta à outra e conhecera bastante bem, até que há cerca de dois anos regressara por motivos familiares à sua cidade de origem. Agora de volta, depois de todo este tempo, para nós aparentemente sem fim, durante o qual o país sofreu o choque imenso que conhecemos, ocorreu-me perguntar-lhe se sentia alguma diferença visível entre o Portugal que deixara e aquele ao qual agora retornava. Aquilo que me respondeu não me deixou surpreendido: «Com certeza que sim, de imediato. E o que mais me impressionou foram as mudanças na cara das pessoas. Um ar de contrariedade, de desgosto, um semblante de tristeza e de falta de confiança, um rosto rígido que eu não conhecera antes, um olhar diferente e talvez um pouco perdido.» A nossa memória diz-nos a mesma coisa, mas pronunciada desta forma, a partir do ângulo de observação de quem não viveu o dia-a-dia da nossa dramática mudança, a descrição de M. funciona como um abalo.

Não me parece engano. Neste sábado, 2 de março, na observação da manifestação na qual participei, nos relatos que recolhi de algumas das outras, dezenas, que decorreram por esse país fora, foi uma constante esta perceção. O número dos que desfilaram na rua foi sensivelmente idêntico ao do 15 de setembro – no total, estima-se que quase um quinto da população – traduzindo uma indignação e um desejo de mudança que tem de encontrar eco nas soluções políticas que é preciso construir. Mas a diferença estava na cara das pessoas: uma gravidade, vertida até na menor criatividade dos cartazes e das palavras de ordem utilizadas, nos muitos metros em silêncio ou em conversas em surdina, que não pode significar outra coisa que não seja uma noção de perda e a imersão num banho diário de desespero. São sinais que anunciam um certo fim do mundo que conheceram, mas também indiciam a noção de que é preciso fazer alguma coisa. Alguma coisa de rápido e de intenso, destinada a evitar o abismo sem escapatória para o qual se sentem empurradas. Alguma coisa que, se necessário for, crie os seus próprios protagonistas, já que o casting para o qual olham não lhes parece à altura da dose de esperança de que precisam. De que precisam o mais tardar agora.

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