Portugal, gare de partida

Imagem de Zoë
Imagem de Zoë

Há pouco mais de um século a figura do «brasileiro», o ricaço fanfarrão recém-chegado do lado de lá do Atlântico, com fortuna incerta, feita de astúcias e aparências, ou efetiva, reunida sabe-se lá como, era notória na paisagem das nossas aldeias, vilas e pequenas cidades. Não que a sua presença fosse significativa em termos demográficos – de facto, surgia um aqui, mais dois acolá, um outro um pouco mais além – mas porque o seu porte extrovertido e esbanjador, e também o seu comportamento moralmente dúbio e um tanto pacóvio, se faziam notar em ambientes nos quais dominava o recato do fato escuro e a moderação dos gastos pessoais e das atitudes públicas. Na literatura portuguesa da segunda metade do século XIX, a pícara personagem surge em múltiplas obras, tendo sido Camilo quem dela traçou retratos mais ásperos e impiedosos, embora forçosamente caricaturais.

A raridade do «brasileiro» como ruidosa figura presente no quotidiano do país tinha uma razão de ser: a maior parte da emigração para o Brasil, a de Oitocentos e, mais ainda, a da primeira metade do século passado, não era de «torna-viagem». Quem partia para aquelas paragens, tal como quem, em menor número, preferia seguir para os Estados Unidos da América ou para a Argentina, geralmente ficava por lá, lá morrendo e lá ficando para sempre a sua descendência. Uma emigração muito diferente daquela que, pela década de 1960, seguiu depois para França e para a Alemanha, sempre com o objetivo de regressar à terra e aqui passar os anos finais da vida, procurando sempre manter os laços com o lugar de origem. O que se tornou até mais fácil depois que deixou de ser tão necessário seguir o caminho da emigração e desde que, em democracia, o Estado português deixou de considerar a situação dos que se tinham ido embora como a de párias ou de proscritos.

Ora é esta relação com o país que a nova emigração, aquela que o governo pretende agora apresentar como solução para resolver o problema do desemprego e da nova pobreza, tenderá de novo a perder. Num leque de destinos cada vez mais extenso, onde facilmente se acomodarão a hábitos que passaram a ser globais, os jovens forçados a partir, em regra com uma educação e uma formação técnica incomparáveis com as dos antigos emigrantes – que saíam quase sempre para ocupar um lugar no fundo da escala social do país de destino –, refarão o seu destino e tenderão cada vez menos a regressar. Desperdiça-se assim, provavelmente para sempre, um capital humano que levou gerações a formar e a ganhar confiança nas suas capacidades. Os novos emigrantes sentir-se-ão, inevitavelmente, cada vez mais suíços, australianos, ingleses, angolanos, cidadãos do mundo em alguns casos, mas cada vez menos portugueses. Esquecerão a terra, os costumes, os primos, o bacalhau e a língua. E ficarão por lá. Até que um dia, outro governo, mais folgado de contas e menos tacanho, abra os cordões à bolsa e pague aos velhos patrícios da nova diáspora uma romagem de saudade ao recanto que os viu nascer. Com direito a paragem, e fotografia de grupo, na Torre de Belém, no Bom Jesus de Braga e no Estádio da Luz. Talvez ainda estejamos a tempo de evitar este fado.

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