O Nobel, a árvore e a floresta

Na Carta a um amigo alemão, de 1944, Albert Camus falava da Europa na qual acreditava e pela qual se batia, contra aquela que a guerra se preparava então para aniquilar: «A vossa Europa está enferma. Ela nada tem para agregar ou exaltar. A nossa é uma aventura comum que prosseguiremos, apesar de vocês.» Escritas há 68 anos num momento dramático, estas palavras não perderam a validade, uma vez que a ideia de uma Europa unida, fraterna, democrática e progressiva – não tenhamos medo dos conceitos velhos mas imortais – continua a existir como utopia e, contra todos os obstáculos e cavalos de Troia, continua também a permanecer como projeto. As circunstâncias atuais correspondem, sem dúvida, a um momento de brutal retrocesso nesse caminho, e esta Europa pouco tem de são ou até de sustentável. Mas a casa permanece de pé e não é previsível nem desejável um regresso ao tempo ventoso e inseguro em que cada um geria por sua conta e risco o velho e desconjuntado castelo do seu Estado-nação.

A outorga do Nobel da Paz à União Europeia fez agora reerguer velhos fantasmas. E até muitos dos que há pouco acreditavam numa Europa melhor, porque mais solidária, viraram 180 graus e, ofuscados pela triste imagem oferecida pela generalidade dos dirigentes europeus, prontificaram-se de imediato a ridicularizar a Academia Sueca, acusada de premiar aqueles que por inépcia, letargia ou cumplicidade têm sido culpados das indecisões que abriram caminho ao diktat dos mercados financeiros e do Deutsche Bank. Como se a União estivesse morta e enterrada. No entanto, pode evitar-se a confusão entre a árvore e a floresta admitindo que o prémio não foi um aval automático a Merkl, Barroso e companhia. Que ele pode funcionar como alerta face à desagregação de um projeto sem o qual os demónios do nacionalismo, os fantasmas do autoritarismo e os espetros da desigualdade podem facilmente regressar, pondo termo a seis décadas de caminho comum. Que ele pode servir como reconhecimento da necessidade de despertar da apatia em que caiu o programa de paz, diversidade, prosperidade e direitos humanos que, desde o seu início e até há poucos anos, foi no essencial – mesmo contando com políticas setoriais tantas vezes erradas e injustas – defendido pela União.

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