Livros que não li (2)

Tagebücher. Band 1: 1910-1911, de Erich Mühsam (Verbrecher Verlag, 2011)

Erich MühsamErich Mühsam deve ser um dos mais celebrados anarquistas alemães. Talvez porque o ativismo político não foi mais do que um dos lados da existência rica e movimentada do poeta, dramaturgo, agitador, erotómano e feminista. A violência marcou-lhe o início e o fim da vida: a primeira, dizem, imposta por um pai despótico, a definitiva aplicada em Julho de 1934 pelas SS do campo de concentração de Sachsenhausen, em Oranienburgo. Nascido em 1878, Mühsam foi figura proeminente da República dos Conselhos, que, em 1919 tentou durante algumas semanas instaurar o socialismo na Baviera. No entanto, nem os seus poemas nem as suas peças lhe valeram reconhecimento literário. A grande obra, afinal, será o diário que começou a escrever em 1910 e que uma pequena editora alemã se propõe agora editar… em quinze volumes. As notícias que chegam dizem que Mühsam traça aí um retrato impiedoso de si próprio e do meio boémio e revolucionário de Munique.

O destino rocambolesco deste texto é, diga-se, digno da vida agitada do seu autor. Após o assassinato de Müsham pelos nazis, Creszentia Elfinger, a viúva, levou o enorme manuscrito para Moscovo. Mal o leram – estávamos em plena época das Grandes Purgas – as autoridades soviéticas confiscaram-no e enviaram a sua fiel depositária para o Gulag. É preciso dizer, em abono da proficiência dos agentes do NKVD, que alguns passos do texto arranhavam os «fantoches marxistas de Moscovo». Após a morte de Estaline, Elfinger, que depois de libertada passaria a viver em Berlim-Leste, tentou obter pelo menos uma cópia. Mas a que foi feita não foi lhe foi entregue: microfilmada, foi confiada aos apparatchiki do Partido Socialista Unificado da Alemanha (autoproclamado comunista), que a conservaram longe de olhares indiscretos por mais de vinte anos. Em 1978 fez-se ainda uma edição lacunar, mas se não existirem mais percalços ficar-se-á a dever apenas à Verbrecher Verlag a edição integral, que se prevê concluída no outono de 2018, do longo diário de um regressado Müsham.

Este post é bastante devedor de uma notícia saída no no. 26 do mensário francês Books.

    História, Olhares.